Antero Greco era feito de matéria rara, aliando competência, caráter e humor
Trabalhei por bons anos com Antero Greco na redação do Estadão, onde, sempre digo, fui muito feliz. E não consigo lembrar de um erro, um só deslize, uma grosseria que seja da parte dele. Ao contrário. Era de uma lisura de caráter que rara e raríssimamente se encontra ao longo de toda uma vida. Arcava com o ônus da sinceridade ao argumentar com a chefia. Editor de Esportes, matava no peito as cobranças eventualmente injustas que recaíam sobre ele, sem repassar aos subordinados as pressões vindas de cima, como faz a esmagadora maioria das pessoas em qualquer profissão ou ocupação.
Fazia também justiça na equipe, separando quem honrava o cargo de quem tropeçava na ética. Não apelava a eufemismos para apontar mau-caratismo e afastar de sua convivência os arrivistas e medíocres.
Aquilo que poucos tinham coragem de dizer, a fim de não desagradar o patrão ou o diretor, o Antero dizia. Com sua sinceridade, salvou muita gente de ter de encarar profissionais de caráter duvidoso, o nosso “Anté”, como Marcelo Godoy gostava de se referir a ele. Pronunciava “Antéééé”, com fonema anasalado, referência ao dialeto napolitano que ele tão bem conhecia, da própria casa.
Já na era do Feice, como ele se referia ao Facebook, relatava histórias maravilhosas sobre o Bom Retiro, bairro onde cresceu, em São Paulo, e a adorável nonna. Estão todas registradas em seu perfil, dignas de serem reunidas em um bom livro de memórias. Porque o Anté não era apenas bom caráter, correto e competente. Era brilhante. Sabia contar uma história e seduzir a plateia ou o leitor. Sabia sacar humor de qualquer linha dramática, e fazia rir sem apelar para o histrionismo.
Ficaram famosas as incontidas gargalhadas compartilhadas com o “Amigão” Paulo Soares na divertida bancada do SportsCenter, na ESPN. Nos áureos tempos do CQC, programa da Band, a dupla era habitué do Top5 dos Vídeos mais engraçados da semana.
Estive com Anté em setembro passado, no Museu do Futebol, durante o lançamento de “Goleada”. A obra, escrita com o amigo Roberto Salim, narra o jogo em que Pelé fez o maior número de gols (7) numa partida, com placar de 11 x 0 do Santos contra o Botafogo, em 1964. Os relatos tiveram como base uma série de fotos até então inéditas de Antonio Lúcio, resgatadas pela filha dele, Silvia Herrera, que confiou a Anté e Salim a missão de “legendar” o episódio.
Na ocasião, já ciente do tumor no cérebro, perguntei como estava. Contou, meio apreensivo, que iniciaria uma nova etapa do tratamento no dia seguinte. Não se mostrava confiante, que não era dado a síndrome de otimismo barato. Mas tampouco se mostrava vitimizado por isso. Apenas se apegava aos fatos, e as notícias já não eram as melhores a respeito da recuperação necessária, como lhe pareciam um ano antes.
Em setembro de 2022, Antero gravou uma mensagem agradecendo a todos que se preocuparam com um episódio que o obrigou a deixar o Sportcenter em plena cena ao vivo. Contou que teria de refazer uma cirurgia que havia realizado em junho anterior, mas sem alarde. Ainda ouço o áudio dele no meu WhatsApp, contando que vinha sendo muito bem assistido e tinha motivos para acreditar num bom desfecho, segundo os médicos.
Dono de texto irrepreensível, Antero cobriu várias Copas do Mundo. Depois que entrou para a TV, sempre se espantava com o fato de consumir tanto tempo e atenção elaborando o material que enviava para o Estadão diariamente, em contraste com a facilidade de se sentar diante de uma câmera e tagarelar sobre os jogos de cada dia. Escrever e editar a publicação impressa era imensamente mais trabalhoso. No entanto, quando retornava ao Brasil, encontrava muito mais gente a comentar sobre sua performance na tela do que no jornal, mesmo se tratando de um canal fechado premium, inacessível nos pacotes mais baratos de TV paga. Era inacreditável que fosse mais reconhecido pela ativideade que lhe consumia menos esforço.
É importante que se diga que tudo aqui dito, assim como tudo que tenho lido sobre Anté nas redes sociais desde que Paulo Soares anunciou, há poucos dias, a condição terminal do nosso estimado amigo, não é bajulação de obituário. Não sou de enfeitar história e omitir tropeços em vida só porque é hora de dar adeus. Mas é que o Anté, até onde pude conhecer, e o conheci pela convivência diária de uma redação pujante, não me ofereceu chance alguma de conhecer seus defeitos. Se ele os teve, não sei, nunca vi nem ouvi falar.