Associação de roteiristas repudia desmanche da indústria audiovisual no Brasil
Na esteira da nomeação do quinto secretário de Cultura do governo Bolsonaro, entregue a um ator sem qualquer qualidade no currículo que justifique sua presença no comando da pasta, a ABRA –Associação Brasileira de Autores Roteiristas– distribuiu nesta quinta-feira (21) um manifesto contra o desmanche da indústria audiovisual brasileira, setor que movimenta (ou movimentava, para usar o tempo verbal correto) R$ 25 bilhões por ano no país.
O texto questiona os atributos do novo secretário de Cultura, assim como a nomeação de Regina Duarte para a Cinemateca, núcleo já sucateado pela falta de recursos e que deveria zelar pela preservação de produções históricas do nosso cinema e TV, berço da fama da atriz. A Cinemateca é inclusive depositária do que restou do acervo da TV Tupi, cuja inauguração completará 70 anos em setembro próximo.
Em um vídeo caseiro feito no jardim do Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro justificou a troca não com itens de reconhecimento profissional da atriz para o cargo, mas sim com argumentos pessoais, dando-lhe o benefício de trabalhar ao lado de casa e perto da família, o que nunca foi problema para alguém que morou a vida toda em São Paulo e passou 50 anos dando expediente no Rio de Janeiro.
Em geral, os brasileiros se orgulham de indicações brasileiras para competir em festivais mundiais de grande reconhecimento, como Cannes, Berlim ou o Oscar, mas a maioria do público não tem noção de quantos anos precedem aquela indicação, fruto de uma política cultural que aqui consumiu quase 20 anos de trabalho no desenvolvimento, implementação e aperfeiçoamento de leis de incentivo de um setor que gera mais de 300 mil empregos.
A paralisia do setor cultural no Brasil antecede a crise gerada pelo isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, visto que em sua quinta troca na Secretaria da Cultura, resquício do que outrora foi um ministério bem-sucedido, o atual governo não conseguiu sequer preservar a engrenagem de sustentação que já mantinha essa indústria de pé, nem no que diz respeito ao Condecine, fundo sustentado pelas empresas de telecomunicações para abastecer a produção audiovisual no cinema e na TV.
A nota da ABRA é assinada por Carolina Kotscho, presidente do núcelo e roteirista de filmes como “Flores Raras”, “Não Pare na Pista”, “Dois Filhos de Francisco” e “Hebe”, cujo desdobramento em minissérie também lhe cabe.
Eis a nota:
“A ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas repudia a paralisia do setor cultural, em especial o desmonte da indústria audiovisual, responsável por mais de 300 mil empregos e que representa 0,5% da economia do país.
Enquanto o mundo reconhece a importância da arte nesse momento e acolhe os artistas, trabalhadores e produtores culturais atingidos pela pandemia, no Brasil somos alvo de reiterados ataques e desmandos.
Para além da falta de apoio em meio à crise, sofremos há quase 17 meses nas mãos de gestores incapazes de conduzir a Secretaria de Cultura.
Desconhecemos as credenciais que qualificam o ator Mario Frias para o cargo, bem como a capacidade de Regina Duarte administrar o acervo da Cinemateca.
Causa especial espanto que, ao anunciar a troca de comando do setor, o presidente tenha dado destaque aos benefícios para a vida pessoal da ex-secretária em detrimento do desenvolvimento da nossa Cultura e dos interesses da nossa sociedade.
A ABRA, em nome de mais de 500 autores roteiristas, de todos os estados do Brasil, cobra dos três poderes da República que se cumpram as leis e regulamentos do setor, que respeitem nosso trabalho, nossas empresas e nossas instituições e que façam valer o que determina o Artigo 5º da Constituição de 1988:
“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
Carolina Kotscho
presidente
ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas”