Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Autor se despede de ‘O Sétimo Guardião’ questionando se valeu a pena

O autor: 6 mil páginas em um ano. 'Eu faria tudo outra vez, se preciso fosse, mas nunca deixaria de usar preto' / Instagram

Já em Portugal há alguns dias, onde escreveu sozinho o final da novela “O Sétimo Guardião”, Aguinaldo Silva publicou no Twitter o encerramento de seu longo expediente à frente da novela de menor audiência já assinada por ele até hoje.

“Muitas vezes na vida escrevi a palavra FIM… E ela, para mim, sempre significou RECOMEÇO. Hoje, mais uma vez a escrevi: FIM! E agora me pergunto, como naquela canção de Ivan Lins: vai valer a pena ter sobrevivido?”

O texto reflete com precisão os percalços atravessados pelo autor ao longo de uma novela que começou há quatro anos, quando ministrou um curso para roteiristas onde a história foi criada, com sugestões de toda a classe e o aval do mestre.

Em reportagem publicada neste domingo pela Folha, tentei ouvi-lo para um balanço sobre toda essa trajetória, mas ele, recluso e confinado em Lisboa para as últimas linhas, preferiu não falar sobre o assunto. Foi, contudo, muito elegante na recusa, pedindo que eu procurasse a Central de Comunicação da Globo. Três de seus ex-alunos da masterclass que gerou os louros e os espinhos de “O Sétimo Guardião” conversaram comigo. Citaram falta de ganchos de um capítulos para o outro, mas, principalmente, a mudança de rumo do que deveria ter sido a tal fonte guardada pelos sete protagonistas.

“Depois de escrever a palavra FIM, fui comer o cabrito do Solar dos Presuntos. Agora vou dormir 48 horas” seguidas… E depois começar tudo de novo. (Instagram)

Foi a terceira vez que me propus a puxar o autor para uma autoavaliação de sua história, ao fim do folhetim, de preferência com autocrítica sobre o que funcionou ou não e o porquê.

Na primeira vez, ainda pelo Estadão, propus uma lista de perguntas a Manoel Carlos, por e-mail, que ele prontamente me respondeu com uma humildade rara nesse métier artístico. A novela era “Em Família”, na ocasião, a mais fraca audiência da história das novelas das nove. Quando perguntei o que havia dado errado, ele me dizia que escreveu como sempre escrevera: com cenas que duravam quase o tempo real de cada ação, sem pressa, e que se aquilo estava errado, ele havia errado a vida toda. O sucesso de “Por Amor”, agora, pela quarta vez após mais de 20 anos, prova que não é verdade que ele tenha errado a vida toda. Provavelmente, só mesmo em sua última novela.

Quando acabou “A Lei do Amor”, que até hoje preserva o posto de 2ª pior audiência do horário, superando “Em Família”, mas não “Babilônia”, procurei Maria Adelaide Amaral com a mesma proposta. Ela limitou-se a me responder que a novela era “um sucesso” e estava comemorando o saldo positivo com a diretora Denise Saraceni e todo o elenco.

Por fim, vamos deixar claro que novela fraca em audiência não significa novela ruim em termos de produção e texto.

“O Sétimo Guardião” tem bons diálogos, boa direção, edição e um elenco primoroso. Mas, de fato, não empolgou.

“Babilônia’, para citar o caso da recordista negativa do horário em audiência, começou dando pinta de novelão, mas logo foi destruída por um boicote evangélico que condenou as lésbicas de Fernanda Montenegro e Natália Timberg na primeira semana, de certa forma com anuência da direção da Globo: em vez de bancar a trama, a emissora promoveu uma série de reformas a meu ver equivocadas para atender ao gosto médio da classe média paulistana. Perdeu um público e não ganhou outro.

Já “O Outro Lado do Paraíso”, maior sucesso dos últimos anos, exibia diálogos sofríveis e várias passagens semelhantes a outras histórias, mas é inegável que Walcyr Carrasco saiba envolver a plateia nas histórias que conta. Não foi por acaso que o beijo gay de novela das nove tenha saído de sua pena: antes mesmo de aprovar ou reprovar um casal gay, o autor ofereceu elementos para que o público torcesse por aqueles personagens, de modo que pouco interessava se o par era formado por héteros ou gays. Esse é um mérito que não pode ser desprezado e faz muita diferença na desesperada busca por audiência/anunciantes nos dias de hoje.

Também convém considerar a força da concorrência em cada caso. “Babilônia” se perdeu também pelo desespero da Globo diante da audiência excepcional alcançada pela Record com “Os Dez Mandamentos”, enredo que azedou também a novela seguinte do plim-plim, “A Regra do Jogo”.

(Um parêntese: pessoalmente, defendo “A Regra do Jogo” como uma novela ousada e muito boa, rejeitada também por este motivo: o público não aceitava a dualidade dos personagens, um reflexo da polarização política que coloca bandidos de um lado e mocinhos do outro, a depender do ponto de vista de cada um. Quando aparece alguém criticando os dois lados, é comum ouvir as pessoas se queixando: afinal, de que lado esse sujeito está?)

Vamos em frente.

Abaixo, as cinco piores audiências de novela das nove da Globo na Grande São Paulo, onde cada ponto equivale a 70 mil domicílios:

  1. 25,09 pontos: ‘Babilônia’ (2015), recorde negativo de novela das nove na Globo.
  2. 25,9 pontos: ‘A Lei do Amor’ (2016/17), segunda pior novela do horário.
  3. 26,25 pontos: ‘A Regra do Jogo’ (2015/16)
  4. 27,97 pontos: ‘Velho Chico’ (2016/17)
  5. 28,7 pontos: ‘O Sétimo Guardião’ (até o capítulo 147, exibido no dia 28/4)

 

 

 

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Cristina Padiglione

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