Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Salomé, de Chico Anysio, jamais aceitaria ser ventríloquo do presidente

Salomé, personagem de Chico Anysio. Foto: Memória GLobo

Pode ser que o encontro entre o humorista Márvio Lúcio, o Carioca, exímio imitador, e o presidente Jair Bolsonaro,  a ser exibido neste domingo (8) pela Record, seja de fato divertido. Caracterizado como o chefe da nação, Carioca contou que passou três horas com Bolsonaro, enganou a primeira-dama, Michelle, ao reproduzir com exatidão a voz do marido dela, e fez as piadas que quis entre as muitas paredes do Palácio da Alvorada.

Mas, ao surgir em um carro oficial da presidência para zombar dos jornalistas que se submetem ao cercadinho onde o presidente responde (ou não) a perguntas da imprensa, não raro zombando de veículos, profissionais e desmentindo manchetes que não são de seu agrado, Carioca inverteu os princípios de seu ídolo, Chico Anysio, e do humor, que só tem graça quando se ri do poder, e não de mãos dadas com ele.

Ao jornalista Maurício Stycer, no UOL, Carioca disse que se inspirou na Salomé, personagem que Chico criou nos idos do último governo do regime militar, comandado por João Figueiredo. Salomé zombava do presidente, não daqueles que eram alvo de suas grosserias ou chacotas.

Carioca lembrou que Figueiredo gostava tanto de Salomé, a gaúcha de Passo Fundo que fazia Chico carregar no sotaque, que o humorista fez uma apresentação, ao final do governo dele, na residência oficial do então presidente, para 30 pessoas. E de fato, ali, o humorista passou a acreditar que a abertura política talvez fosse para valer, como o próprio relatou em seu livro de memórias, também mencionado por Stycer no mesmo texto sobre Carioca.

A questão não é visitar o presidente da República para interagir com aquele que deveria ser o alvo da piada, mas sim esquecer qual é o foco da sátira. Ao aparecer ao lado de Carioca, diante dos jornalistas, Bolsonaro zombou das perguntas sobre o PIB, revelado pouco antes dessa ocasião, e fez de Carioca o seu escudo: “PIB? Que que é PIB? Pergunta pra eles que que é PIB?”, ditou o presidente, sendo prontamente obedecido por seu cover, aí transformado em ventríloquo.

Salomé jamais admitiria ter seu texto fielmente ditado por seu interlocutor preferido, a quem carinhosamente tratava como “João”, mas sem lhe poupar de um elegante deboche, o que acabou por cativar o pouco afável Figueiredo.

Em seus últimos anos de vida, Chico teve a chance de promover ligações entre Salomé e Dilma, que atendeu ao telefone na casa presidencial já em 2009, antes de receber a faixa presidencial. Mas ela queria mesmo era falar com Lula, a quem chamava de Luís Inácio, fiel que era à intimidade de chamar o presidente pelo primeiro nome.

De novo, Salomé não se rende ao poder, zomba de Dilma e de Lula, mostrando que não importa quem esteja no comando, a graça é justamente contrariar as autoridades ali representadas.

O encontro entre Carioca e Bolsonaro vai ao ar neste domingo, no Domingo Espetacular, a partir de 19h30, na Record TV, emissora que, ao lado do SBT, tem sido contemplada com a boa vontade do presidente em falar com exclusividade, já que mal é contestado sobre o que diz. Durante a gravação, mesmo já tendo ficado três horas com Carioca na véspera, Bolsonaro até se confunde sobre o destindo da cena, ao avisar sua claque sobre a exibição: “É no SBT?” “Não, Record”, responde o humorista.

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Cristina Padiglione

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