Bolsonaro processa Marcelo Tas, e nega que seja racista e homofóbico
O deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) assegura que não é racista nem homofóbico, razão pela qual está processando Marcelo Tristão Athaíde de Souza, o Marcelo Tas, que teria atribuído essas acusações ao deputado em uma entrevista dada ao programa “Cara a Tapa”, do Blog Rica Perrone, em 22 de julho de 2017. A ação judicial corre na 31ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo e requer R$ 20 mil de Tas por reparação de “danos morais”. A ação pede ainda que Tas pague R$ 10 mil a cada vez que voltar a acusar Bolsonaro de racista ou homofóbico.
Procurado pelo TelePadi, Tas disse que não pode comentar sobre uma ação que desconhece. Ele não foi notificado ainda. Pelos dados disponíveis no andamento do processo, falta ainda um pagamento para que a citação seja feita ao réu.
Sobre o autor da ação, no entanto, Tas se permite dizer o seguinte: “Lamento que ele se junte a outros parlamentares brasileiros, de direita e de esquerda, é bom notar, que não suportam a convivência com a crítica ou com quem pensa diferente deles. Temo que, com a aproximação das eleições, surjam tentativas de intimidação e censura à livre expressão. Isto só vai contribuir para tumultuar o debate e atrasar o aperfeiçoamento da frágil democracia brasileira.”
E acrescenta: “É patético. Os políticos estão mais por baixo que cocô do cavalo de bandido, mesmo assim não abrem mão da blindagem do fórum privilegiado. Não aceitam opiniões contrárias. Querem viver numa redoma, rodeados apenas por quem pensa igual a eles. “A atitude do Bolsonaro reforça a minha suspeita: apesar de vender a imagem de novidade na corrida presidencial, ele é um político antigo como qualquer outro.”
No processo, Bolsonaro pede “prioridade na tramitação deste feito, segundo lhe assegura o artigo 71 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso)”, por ter 62 anos.
Ao citar a entrevista, o texto destaca trechos que, segundo o advogado do deputado, Gustavo Bebianno Rocha, “demonstram, por parte do réu, assertivas envolvendo o autor, sendo a mais contundente de todas a afirmação de que ele, Jair Bolsonaro, seria racista, preconceituoso e homofóbico, aos 10’55” e 15’08” da entrevista, o que, logicamente, resulta em forte impacto na opinião pública e abalo à imagem e credibilidade do autor, que é homem público:
[Aos 10’55”, Marcelo Tas (MT) se refere ao filho transexual]
RP – Você tem filhos gays… ou filho gay
MT– Tenho… tenho um filho… Eu tenho um filho trans… que era bissexual… e que, enfim…
RP – Virou trans
RP – A sua aceitação foi do jeito que parece hoje, ou você também foi homofóbico em algum momento, ou foi um processo…
MT – Eu tenho dentro de mim todos os preconceitos do mundo. Eu acho que todos nós temos. Então, a primeira reação de qualquer pessoa diante de algo que aparentemente não é natural é de susto. Entendeu? Agora, eu me sinto muito grato ao Luc, por que ele me fez ser uma pessoa melhor. Inicialmente, quando ele me trouxe a informação de que ele era bissexual, eu falei, nossa, o meu filho é gay. E eu tinha um monte de amigos gays. Mas quando você tem alguém que é próximo, é uma situação nova. E fui ver que não tem nada de anormal, de fora de… eu fui me aproximar da situação… que é o que eu acho que todo mundo tem que fazer.
RP – Mas você teve também o choque homofóbico…
MT – Tive. Eu não sei se é homofóbico, mas de reação por conta do preconceito que a gente tem.
RP – Eu acho importante porque, às vezes, as pessoas vendo você falar, vão falar… (…), que (…) ser evoluído. Nasceu (…), nível hard.
MT – Não, não, eu não nasci (…), nível hard. Eu sofri esse processo, é bom que a gente fale disso. Agora, é importante a gente falar porque tem muitos estúpidos aí, homofóbicos, alguns até tentando ser candidato a cargos importantes…
RP – Você tá falando do Bolsonaro…
MT – O que que eu fiz quando eu vi isso dentro de mim? (…) Eu me aproximei do caso ao invés de julgar, … de agir como um troglodita.”
[Aos 15’08”, Marcelo Tas volta a falar do autor]
RP – Tu reclamou que os caras pegaram um bate-boca teu com uns judeus… editaram 30 segundos, e tiraram, e te (…) na edição. Vocês não fizeram isso com o Bolsonaro naquela entrevista?
MT – Não. Essa é a versão dele, né?!
RP – Tem o vídeo na íntegra na internet! Não a da Preta Gil, a outra!
MT – Não! O Bolsonaro, historicamente, já falou isso, muitas vezes. Ele dá uma entrevista e depois diz que mudaram o que ele falou.
RP – Não! Mas foi editado. Você achou que foi mal editado?
MT – Tudo na televisão é editado.
RP – Mas foi mal editado, aquele? Foi infeliz a edição?
MT – Não! Não foi! Não foi! Traduz exatamente o que ele pensa.
RP – Mas traduz o que ele diz?
MT – Traduz o que ele diz! É impossível você editar uma coisa e botar …, fazer ventríloquo na boca de uma pessoa. O Bolsonaro é um cara medroso, inseguro sobre o que ele pensa, e não assume. Quando você expõe ele, ele não assume que ele é racista, que ele é preconceituoso, entendeu?! Isso é um fato! Aí fica essa discussão. É que nem discutir o tríplex. O Bolsonaro, discutir edição é que nem o Lula ficar discutindo o tríplex, você entendeu? O Bolsonaro é racista, é preconceituoso, é homofóbico, e ele quer discutir uma edição.”
Para o advogado, “os trechos transcritos evidenciam o preconceito do réu, que tem a pretensão de saber o que os outros pensam, independentemente do que dizem. (…) Boa parte da imprensa, por questões puramente ideológicas, não mede esforços para difamar, injuriar e caluniar o autor. O autor é íntegro e, em quase trinta anos de vida pública, jamais se envolveu em um só escândalo por corrupção ou conchavos. E, ao contrário do que afirma o réu, o autor não é racista, tampouco homofóbico.”
Para provar que não é racista nem homofóbico, o documento cita as relações entre Bolsonaro e o jogador de futebol Wanderson de Paula Sabino, conhecido por Somália, e a defesa que o deputado um dia fez, publicamente a Clodovil Hernandes (morto em 2009) na Câmara de Deputados.
“Ao contrário do estereótipo equivocado que o réu tenta imputar ao autor, este vê e trata homossexuais como seres humanos normais, detentores de direitos e obrigações. (…) O que o autor combate, ferrenhamente, é a injusta exposição de crianças à apologia da ideologia de gênero, capitaneada por falsos intelectuais e outros personagens que nem merecem ser citados. Contudo, afora o debate ideológico, o convívio do autor com pessoas de quaisquer gêneros sempre foi o mais respeitoso e cordial possível.”
Em tempo: o caso de Preta Gil citada na entrevista aqui usada como alvo da ação de Bolsonaro, ocorreu no “CQC” (“Custe o Que Custar”), em março de 2011, pela Rede Bandeirantes. Na edição do programa, quando apresentam a ele uma pergunta de Preta Gil (“O que o senhor faria se um filho seu se apaixonasse por uma negra?”), o deputado afirmou: “Ô Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja, eu não corro esse risco, os meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”.
Diante das contestações de Bolsonaro, o programa voltou ao assunto na semana seguinte e exibiu a gravação bruta da resposta gravada por ele.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal arquivou um inquérito contra o deputado sobre suspeita de racismo em função do episódio. Relator do caso no Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso acolheu o parecer do Ministério Público federal, favorável ao arquivamento, por entender que não é possível comprovar que o réu tenha cometido crime. O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou à emissora a íntegra da entrevista, mas foi informado de que a emissora possuía apenas a versão editada da fita.
Abaixo, os vídeos com as perguntas respondidas por Bolsonaro durante o “CQC”.