Bozó perde cotação: saída de Carla Vilhena da Globo sinaliza força de novas vitrines
A saída de Carla Vilhena da Globo, e não exatamente para trabalhar na concorrência, aponta que vai ficando para trás o tempo em que jogar no time da emissora parecia o ápice do sucesso de um profissional no Brasil.
A figura do Bozó, lendário personagem de Chico Anysio que debochava da ostentação do crachá de quem trabalha na Globo, vai perdendo cotação.
No caso dos jornalistas, assim como de atores, diretores e roteiristas, a TV dos Marinhos sempre foi muito reverenciada. Dona das maiores verbas de publicidade e dos maiores investimentos tecnológicos e humanos, ainda hoje pauta o que se faz fora de sua tela, de outros canais de TV à internet e cinema.
Mas estar em sua folha de pagamentos simplesmente por estar é cada vez menos relevante.
Carla vinha sendo subaproveitada pela Globo. Ostentar o crachá, como fazia o Bozó, só para apresentar o “Jornal Nacional” uma vez por mês, já não parece digno para quem tem vontade de mostrar serviço. Carla chegou à Globo em 1997, vinda da Band, onde conheceu seu ex-marido, Chico Pinheiro, pai de seus três filhos. Foi apresentadora de telejornais locais (“SP-Já” e “Bom Dia São Paulo”), esteve na apresentação e na reportagem do “Fantástico”, mas foi perdendo espaço na casa.
Nesse contexto, com a experiência acumulada e uma beleza estética que toda tela aprecia, por que ficar aguardando pela escala de plantonista? Já titular de um blog de estilo, ela se despediu dos colegas nesta sexta, 12, com uma mensagem de adeus e obrigada.
Convém observar que atores bem cotados que deixaram a Globo por salários melhores na concorrência voltaram à emissora após algum período na Record ou no SBT. Autores que deixaram a emissora pelo mesmo motivo também retornaram. Mas o mesmo não costuma ocorrer com a turma do jornalismo, que parece encontrar um mundo muito sustentável para os seus projetos e conta bancária fora do reino dos Marinhos, sem necessidade de fazer a linha do filho pródigo.
Carlos Nascimento saiu, voltou, saiu de novo e não mais voltou. Após a passagem breve pela Band, permanece estável e com telejornal principal (o que não tinha na Globo) no SBT.
Ana Paula Padrão fez boa passagem por SBT e Record, antes de se estender ao universo do entretenimento, com êxito. O “Masterchef” se tornou a única certeza atual na Bandeirantes, onde ela pode ainda produzir séries temáticas dentro da função jornalística que compõe seu DNA. Desde o ano passado, Ana Paula assina ainda a direção da revista “Cláudia”, o que vai ao encontro da proposta do “Tempo de Mulher”, fundado por ela há anos.
Lillian Witte Fibe deu outros rumos à carreira, foi ser vanguardista em webjornalismo, passou pelo Canal 21 (que saudade eu tenho do Canal 21!), aqueceu a agenda de palestras e até voltou à Globo, mas pelo “Programa do Jô”, em versão semanal, antes de retornar à web que hoje a põe em cena pela “Veja Online”.
A própria Globo “perdeu” jornalistas para o entretenimento, com louvor no faturamento que faz desses profissionais um prato cheio para a credibilidade que os anunciantes procuram. Aí estão Pedro Bial, Fátima Bernardes e Tiago Leifert, que não nos deixam mentir, lembrando ainda de Patrícia Poeta e Zeca Camargo.
Só para citar o maior faturamento da casa, Fausto Silva, não custa lembrar, também é oriundo do jornalismo.
No último ano, a Globo perdeu Vilhena, Flávia Freire (que constituiu família, como se diz, e foi morar em Portugal), Evaristo Costa (que se mudou para Londres e passou a ganhar na publicidade mais do que faturava na bancada do “Jornal Hoje”) e Mara Luquet (que passou a se dedicar ao seu portal e consultoria, com clientela que antes poderia configurar conflito com a função de comentarista econômica).
Jornalistas em geral têm sido levados a descobrir e se descobrir em um novo cenário mundial, onde o impresso perde bilheteria, mas ainda não a importância que pauta a web, que por sua vez ainda não conquistou da publicidade o peso que tem demonstrado em bilheteria.
Ciente de novos modelos de negócio, a própria Globo tem operado adaptações nos contratos de parte de seus jornalistas, por enquanto no esporte, abrindo a eles as chances de faturar com publicidade.
O risco de tudo se transformar em entretenimento, no entanto, com um noticiário que bota informações e interesses de toda espécie na mesma balança, é gigantesco. E temeroso. A corrida por cliques e audiência nem sempre, ou raramente, atende ao interesse público, aquele que zela pelo bem coletivo – ao contrário, ocupa-se mais do interesse “do” público, o que engloba fofocas, celebridades e bizarrices.