Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Caçulinha era muito mais que o ‘músico do Faustão’

Entre Ronnie Von e Caçulinha, nos bons tempos da TV Gazeta

O próprio Fausto Silva certamente ficaria avexado de ver tantos veículos de mídia tratarem Caçulinha, que morreu nesta segunda-feira (5), aos 86 anos, como o sujeito que “o Brasil conheceu pelo Domingão do Faustão”. Até porque o apresentador conhecia bem o valor do músico e sabia o quão maior ele era que essa legenda.

A habilidade em criar arranjos quase de improviso sempre impressionou quem conviveu com ele, dos primórdios da TV Record aos anos mais recentes na TV Gazeta, onde acompanhava Ronnie Von e seus convidados. Os ouvidos captavam de pronto qualquer nota que ornasse com a voz de quem lhe pedisse acompanhamento ao piano ou no acordeon. E o homem ainda tinha humor, elemento que atraía as pessoas para o seu entorno, fosse num estúdio de TV, fosse numa festa, um jantar ou uma missa.

Faustão já sabia de tudo isso quando colocou Caçulinha no seu palco, do Perdidos na Noite ao Domingão, onde finalmente ele seria mais bem remunerado, isso sim, graças aos merchandisings que puxava no teclado. Cansou de repetir mantras como “Quem disse que ná dá? Na Fininvest dá”, e qualquer coisa sobre a Poupança Bamerindus, banco que viria à falência.

É bem provável que Rubens Antônio da Silva, nome de registro, tenha encontrado na Globo o seu melhor salário e sua maior vitrine, mas foi na Record da família Machado de Carvalho que ele tocou para nomes como Elis Regina, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Elizeth Cardoso, Bibi Ferreira, Hebe Camargo, Clara Nunes, Elza Soares, Maysa, João Bosco e tantos outros. Suava para acompanhar Ademilde Fonseca. E raros foram os medalhões da música brasileira que não estiveram com ele.

Além da liderança que a Globo lhe ofereceu entre a última década de 1990 e a primeira dos anos 2000, com larga vantagem sobre a concorrência, pesava sobre tal liderança um alcance de domicílios que a Record dos anos 1960 não tinha. O acesso ao televisor, nas duas primeiras décadas em que o aparelho funcionou no país, era coisa para poucos e bons.

Há menos de três meses, nos revimos e nos abraçamos ao celebrar os 90 anos do nosso amigo em comum, Nilton Travesso, que tantas histórias boas relatou sobre Caçulinha no Dois Diretores em Cena, programa que ele fazia com Antonio Amaral de Carvalho, o Tuta, na rádio Jovem Pan.

Conta Travesso que Caçulinha e João Bosco, por ocasião de uma turnê com músicos que ele dirigiu pelo país, mandaram entregar uma mesa de café da manhã às 6h no quarto de Bibi Ferreira, que sabidamente detestava acordar cedo. Foi só a campainha do quarto tocar para que os xingamentos dela fossem ouvidos a distância. À espreita, Bosco e Caçulinha gargalhavam.

Tuta relatou que uma vez foi bisbilhotar o acordeon novo do músico, pouco antes do programa da Hebe, na Record, e não o avisou. Já no ar, quando foi tocar, Caçulinha se irritou ao notar o instrumento desafinado. “Ele quase caiu, e a Hebe começou a rir, todo mundo riu, menos o Caçulinha”, lembra Tuta. “Até hoje ele acha que eu fiz de propósito”, disse o dono da Pan durante o Dois Diretores em Cena, realizado entre 2011 e 2012.

Tive o prazer de dividir expediente com Caçulinha nos idos do Todo Seu, programa de Ronnie Von na TV Gazeta, onde, sempre digo, tive o melhor emprego da minha vida. O cachê era bom, o apresentador era de uma gentileza singular e me paparicava aos borbotões. A Gazeta, fincada naquele endereço que eu amo, pagava rigorosamente em dia, e eu beliscava aqueles pratos e vinhos incríveis que o nosso Príncipe apresentava no ar, enquanto ele proseava com os convidados. Tinha mais: eu chegava lá como Griselda e era transformada em Cinderela, com make up impecável, dada a competência dos maquiadores e cabeleireiros.

Antes de entrar no estúdio, Caçuinha passava na porta da sala de maquiagem e perguntava: “É aqui que fica a sala dos milagres?” E ria.

No backstage, enquanto Ronnie anunciava merchans ou entrevistava alguém, tricotávamos em voz de fofoca mesmo, baixinho, não só para não sermos ouvidos, mas para não atrapalhar o áudio no estúdio. E nos deleitávamos com as bobagens que dizíamos.

Um comportamento infantil, no melhor sentido, era o que ele despertava em nós.

 

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Cristina Padiglione

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