Canais infantis chegaram a ter 1 comercial a cada 3 minutos em 2020
O volume de publicidade infantil nos canais pagos dirigidos a crianças chegou a ter quase 300% de crescimento em setembro de 2020, em relação aos oito primeiros meses do ano, com uma propaganda a cada quatro minutos. Em dezembro, mês de Natal, o volume de comerciais interessados no desejo de consumo dos pequenos alcançou até uma propaganda a cada três minutos de programação.
O levantamento, ao qual o TelePadi teve acesso em primeira mão, é do programa Criança e Consumo, do instituto Alana, que zela pelo cumprimento do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e tem a publicidade como um de seus principais focos de atenção.
De janeiro a dezembro, o Alana avaliou 12 horas de programação de um determinado dia por mês, em geral próximo a datas que representam grandes consumos, como Dia das Crianças e Natal. O estudo foi feito em quatro canais infantis: Cartoon Network, Discovery Kids, Gloob e Nickelodeon, emissora que não constava no levantamento feito pelo instituto em 2019.
Na avaliação de Maíra Bosi, coordenadora de comunicação do programa Criança e Consumo, o boom é um provável aquecimento para o Dia da Criança, em 12 de outubro.
Em 2019, esse pico ocorreu no próprio mês de outubro, mas é justificável a antecipação em tempos de pandemia, em função de compras online.
Maíra observa que houve uma retração de publicidade até junho, no período mais rigoroso do confinamento. O volume cresceu a partir dali, alcançando larga proporção nos meses seguintes.
Isso não significa faturamento maior para cada canal, ou não necessariamente. Uma boa fatia dessa publicidade (32,3%), na média do ano, dizia respeito a mídias digitais do próprio canal, com anúncios que quadruplicaram em relação ao ano anterior.
Os brinquedos encabeçam a lista de produtos anunciados, com quase 50% do total de anúncios estudados, e esse montante não inclui games, presentes em outra categoria. O mapeamento não engloba publicidade dirigida a adultos, segmento muito presente no Discovery Kids, por exemplo, onde os pais costumam ver TV com os filhos, em razão do foco pré-escolar do canal.
O aumento da publicidade voltada a mídias digitais mostra a preocupação dos programadores em manter a fidelidade de um público que tem cada vez mais telas a sua disposição. Aparentemente, vender as maravilhas da marca do canal em outras plataformas, aplicativos e games pode parecer inofensivo no quadro daquela publicidade que incentiva o consumo, mas não é bem assim.
Maíra lembra que as redes sociais muitas vezes só permitem a participação de adolescentes (acima de 13 anos), target que já foge dos canais analisados, principalmente do Discovery Kids e do Gloob. O Cartoon, embora exiba atrações que sejam do agrado de muito marmanjo, orgulha-se de ser o canal mais frequentado pelo público de 4 a 11 anos na TV paga brasileira.
Além disso, o monitoramento de publicidade que não cumpre com as restrições da propaganda de produtos infantis é bem mais complexo no mar de canais, blogs e afins que habitam a internet.
Desde que o YouTube foi multado em US$ 170 milhões (R$ 889,5 milhões em valores atualizados) pelo Órgão regulador comercial dos Estados Unidos, a FTC, por publicidade infantil fora das normas, o portal vem adotando um filtro entre seus criadores, que têm de discriminar vídeos para crianças na hora da publicação, para evitar que propagandas nocivas a crianças sejam distribuídas nesses canais.
“Com esse monitoramento esperamos contribuir para uma ampla reflexão sobre o caráter injusto e antiético de se explorar crianças comercialmente, e sobre o quão urgente é a efetiva mudança de postura das empresas anunciantes e emissoras de TV no sentido de pararem de praticar publicidade infantil e cumprirem, efetivamente, seu dever constitucional de proteger todas as crianças, com absoluta prioridade”, ressalta Maíra.
Criado em 2006, o programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, atua para divulgar e debater ideias sobre as questões relacionadas à publicidade dirigida às crianças, assim como apontar caminhos para minimizar e prevenir os malefícios decorrentes da comunicação mercadológica.