Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Canal de animação ácida do diretor do Porta dos Fundos cresce e aparece em 3 idiomas

Com versões em inglês, português e espanhol, o canal Sociedade da Virtude, do diretor do Porta dos Fundos, Ian SBF, investe em um segmento pouco explorado no Brasil: a animação de humor ácido. A linguagem visual se aproxima da arte das Histórias em Quadrinhos (HQ).

Os roteiros trazem problemas como um marido tentando se revelar trans para sua mulher, um senhor com dificuldades com tecnologia e um professor com uma escola pouco ortodoxa para jovens rapazes dotados.

Bem produzidos, ainda mais considerando-se o nível médio do YouTube, os canais somam atualmente 416 mil (na dublagem em português), 208 mil (em inglês, Society of Virtue) e 3,3 mil (em espanhol, o mais recente, Sociedad de la Virtud).

O vídeo “R-Men Dias Indesejados de um Futuro Esquecido”, em português, ultrapassou 1 milhão de views. Diz a sinopse: “Os R-Men recebem uma visita a cada duas ou três semanas pelo menos, para salvar o futuro. O que é bastante estúpido se você pensar bem. Se o futuro é uma merda, por que o todo mundo do futuro não vem pro passado? Mesmo! Pensa nisso. Se todos voltassem, não haveria efeito.”

Ian assina o roteiro e a direção da animação. Seu sócio, Thobias Daneluz, faz a criação visual.

“Na verdade, eu quero fazer isso desde que eu tinha 3 anos de idade”, comenta o diretor, em conversa com o TelePadi. “Comecei a tocar a ideia realmente há uns dois anos. Falei: ‘vou embarcar nisso’. Tive que começar do zero, não tinha a menor ideia de como fazer.”

Ian sabe que os canais vão bem, mas “não são nenhum Porta dos Fundos”, hoje com 14,811 milhões de inscritos. Estamos falando, evidentemente, de um produto mais “nichado”, como diz Ian, mas também muito pouco produzido no Brasil. Fã de “Os Simpsons”, “Tunder Cats” e “He-Man”, o diretor conta que muita gente que assiste aos vídeos do Porta também curte o Sociedade, mas as estratégias de um não necessariamente se aplicam aos outros canais.

“Sinto que são públicos diferentes porque o Sociedade bate muito em quem  gosta de animação, quadrinhos, super heróis, a gente é um canal de nicho, mesmo que esse nicho hoje seja uma coisa muito abrangente.”

São dois vídeos publicados por semana no YouTube – às terças e quintas. Até caneca e camiseta o canal já está vendendo, mas ainda de forma doméstica – “Não licenciamos produtos, mas nada impede que a gente faça isso em breve”, avisa.

O áudio de todos os vídeos é gravado primeiro em inglês. Quando se ouve a versão em português, a percepção de fato é de um produto dublado para a nossa língua, e não originalmente gravado aqui, remetendo a velhas animações como “He-Man”. Isso, por si só, já garante aos vídeos um bônus de humor, lembrando o tom farsesco das clássicas dublagens de filmes e seriados.

A versão em língua espanhola é realizada no México, país onde a internet tem grande peso, explica Ian.

No script, diálogos bastante atuais traduzem com deboche as mudanças em curso no mundo, do comportamento à política internacional. Em “A Primeira Classe”, por exemplo, há uma boa mostra das transformações ditadas no universo feminino. Em um tempo anterior ao nosso, temos o seguinte diálogo:

_ É melhor você não ficar mais pelado na frente dela – diz um garoto que viajou ao passado e ao futuro, a um sujeito que está completamente nu, diante de uma mulher, outro homem e de um representante do governo, espécie de general, que os convoca para salvar o país.
_ Como assim?
_ No futuro, as pessoas não acham mais que isso seja normal – responde o garoto.
_ Do que você está falando? No futuro eu não posso mais tirar as calças na frente de uma mulher sem que ela queira? – reage o general.
_ É, as pessoas chegaram a um consenso que isso não pode. A mulher tem que querer que você tire as calças – completa o menino.
_ O quê? Isso é um absurdo! Eu nunca tive o consentimento de uma mulher para tirar as calças na frente dela e não vou começar agora.
(…)
_ Relaxa, isso é no futuro, tipo,o que a gente faz agora não conta. É como se a gente estivesse em outra jurisdição, ninguém vai lembrar disso – reage o pelado.
_ Então, vai. No futuro também tem uma coisa chamada internet. É meio que uma memória eterna de tudo o que já foi feito ou registrado na história da humanidade – rebate o menino que viajou ao “futuro”.

Ainda que a prioridade de Ian continue sendo o Porta dos Fundos, o Sociedade das Virtudes cresce sem tanta necessidade de sua presença física, como acontece no caso do Porta, onde sua participação no set é obrigatória como diretor. Nos canais de animação, ele redige as histórias e indica o tom de cada vídeo por meio de rubricas, podendo até fazer reuniões com os outros criadores por videoconferência, por exemplo.

É bem possível que logo aconteça a expansão do Sociedade das Virtudes para outras telas, como aconteceu com o Porta dos Fundos, que hoje tem o grupo Viacom como sócio majoritário (51%) e conta com vídeos estendidos à Netflix. Com a expansão da própria Netflix e da Amazon no Brasil, a demanda por produção audiovisual favorece as boas produções do ramo – em especial, de gêneros pouco explorados, como é o caso de animação de humor ácido.

Todo o conteúdo também pode ser assistido pelo aplicativo para celular Sociedade da Virdute. Além dos episódios publicados no YouTube, conta com webcomics feitas exclusivamente para mobile. O app já está disponível para Android e iOS.

“A gente sempre tem que tentar fazer coisas de que a gente gosta porque se a gente gosta, outras pessoas vão gostar. Eu quero lançar filme, fazer TV, mas a gente vai descobrindo aos poucos esses caminhos”, diz.

Abaixo, o episódio acima citado, em português:

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