‘Carcereiros’, série que estreia dia 8 no GloboPlay, já ensaia 2ª temporada
Finalmente, a Globo começa a pensar na produção de séries com escala de temporadas, como pede a demanda da TV no mercado internacional. Até aqui, a emissora produziu muitas minisséries, seriados, mas poucas séries, em especial dramáticas, planejadas para mais de uma temporada, como poderia ter ocorrido com “Dupla Identidade” e “Supermax” (uma segunda temporada de “Justiça”, a melhor de todas, não está descartada).
Agora, com “Carcereiros”, série que mescla ficção com depoimentos e cenas reais, a emissora avança em dois pontos:
1) o produto terá uma estreia bem antecipada pela plataforma paga sob demanda da emissora, a Globo Play, com todos seus 12 episódios disponíveis de uma só vez, a partir de 8 de junho, e só chegará à TV em abril de 2018;
2) já há uma segunda temporada em andamento nos rascunhos dos autores Marçal de Aquino, Fernando Bonassi e Denisson Ramalho.
A informação foi dada por Aquino na manhã desta quinta-feira, quando a Globo reuniu jornalistas para exibir o primeiro episódio do título, seguido de entrevistas com os autores e diretores. Marcelo Staroubinas também integra a equipe de roteiristas da série, criada a partir de uma ideia original de Pedro Bial e Fernando Grostein, responsáveis pela parte documental. “Carcereiros” é uma coprodução da Globo com a Gullane Filmes e a Spray Filmes, com direção geral de José Eduardo Belmonte e direção de Belmonte e Fernando Grostein. Embora seja homônima de um dos livros de Drauzio Varella, a produção não inclui histórias do livro e ao mesmo tempo foi toda realizada sob a bênção do médico. “Ele participa inclusive dando depoimento”, conta Aquino, mas as histórias do livro remetem a uma outra época do sistema carcerário e nós optamos por criar histórias de um tempo imaginário”, explica.
Drauzio também abriu para os autores algumas das reuniões quinzenais que os carcereiros realizam entre si, trocando histórias pessoais e de memória de vida, muitas delas inspiradoras para os episódios da série.
No enredo, Rodrigo Lombardi é o carcereiro Adriano, papel que estava reservado a Domingos Montagner, que já havia participado de várias reuniões sobre o projeto e começaria a gravar logo após o fim de “Velho Chico”. Com a tragédia que vitimou o ator, Lombardi foi chamado às pressas, a fim de não comprometer ainda mais o cronograma de gravações. De todo modo, conta Aquino, se as coisas tivessem saído como foram inicialmente planejadas, “Carcereiros” teria estreado no início deste ano. O pequeno atraso causado pela troca de atores gerou outra inconveniência para colocar a série na TV neste ano: a presença de Lombardi na novela das 9, “A Força do Querer”. Não convinha exibir o ator em dois personagens ao mesmo tempo.
Casado com Janaína (Mariana Nunes), Adriano é pai de uma adolescente, Lívia (Giovanna Ríspoli), cuja mãe desapareceu quando ela era pequena. A tensão do ofício de Adriano se transfere o tempo todo para sua vida pessoal, como se ele, mesmo sem ter cometido crime algum, estivesse também submetido às condições de violência de um presídio – o que é atestado entre os depoimentos reais.
O elenco conta ainda com Tony Tornado, como Valdir, o veterano da equipe de agentes penitenciários, que crê na reeducação desses homens e tem o compromisso próprio de dar aulas de boxe aos presos. Aílton Graça interpreta Juscelino, o diretor de segurança do presídio, dono de alguma bagagem, mas sem muita habilidade no trato com o outro. Othon Bastos faz o pai de Adriano. Entre um episódio e outro, veremos participações de Chico Diaz, Matheus Nachtergaele, Projota, Letícia Sabatella, Carol Castro, Caco Ciocler, Gabriel Leone, Samantha Schmutz. Ainda no cast, estão Lourinelson Vladmir, Jean Amorim e Nani de Oliveira. E, ponto em comum com “Um Contra Todos”, série da Conspiração para a FOX, de Breno Silveira, também feita atrás de celas: lá está, de novo, Thogun Teixeira, negro, grandão, endossando o estereótipo do temido presidiário.
O QUE ESPERAR?
A edição impressiona muito pelo aspecto documental da ficção, mas não só. Como a série mescla documentário com dramaturgia, é latente a competência da montagem final, inclusive inserindo trechos de áudio de depoimentos reais em imagens encenadas. Para o espectador, fica a nítida impressão de que as cenas produzidas fazem parte do relato documental, tudo junto e misturado, alcançando um êxito jamais visto em uma produção de TV.
Outro recurso bacana que endossa essa condição é a gravação de cenas em que os personagens ficcionais dão depoimentos como se fossem parte dos agentes prisionais de verdade que participam da parte documental.
Não basta ter uma boa história, bons diálogos, boas atuações e boa direção. Não basta que o material bruto seja ótimo, é preciso saber montar as peças, de modo que o espectador se permita embarcar naquele universo. Isso é obra alcançada sem restrições em “Carcereiros”, pelo menos a julgar pelo primeiro episódio.
Foi este episódio que a Globo levou ao MIPTV, em Cannes, há dois meses, para concorrer com produções do mundo todo em um espaço que o evento, misto de festival e feira de TV, reserva para a exibição de produtos inéditos. Sessenta produções foram inscritas e só 14 foram selecionadas. A produção da Globo saiu vencedora e era a única selecionada da América Latina. “Três deles abriam com café da manhã, gente loira, bonita. A hora que entrou ‘Carcereiros’, os caras não acreditaram. Teve dois ‘ohhhhhs’: no começo e quando entra o travesti (um travesti namora um negro cujo pai (o ‘Engenheiro’, vivido por Thogun) também preso, dificilmente aceitará o romance). Foi de uma evidência gigante. O nosso tinha diversidade, questão de gênero, a questão da violência, o único que apresentou algo com problemas sérios foi o nosso. Os franceses ficaram impressionados”, lembra Bonassi.
Belmonte conta que entrou no bonde com ele já em andamento, mas já chegou com as credenciais de quem já havia mesclado ficção e documentário em “O Alemão”, que a Globo também exibiu em formato de minissérie.
Já o trabalho de pesquisas dos roteiristas abrange uma vida inteira. Bonassi assinou com Drauzio o roteiro de “Carandiru”, Outras Histórias”, a série originária do primeiro livro do médico. Aquino foi repórter policial. Juntos, os dois escreveram o seriado “Força Tarefa”, com Murilo Benício, “O Caçador”, com Cauã Reymond, e “Supermax”, uma quase ficção científica que se passava dentro de um presídio inativo.
Duas curiosidades:
- a série foi toda gravada em locações, incluindo o presídio de Votorantim, no interior paulista, e uma casa em São Paulo, que serviu como casa de Adriano
- os autores sofreram para contar uma história em 22 minutos, tempo que cabia à ficção em cada episódio, composto também pelos depoimentos de agentes penitenciários reais. “Não tínhamos espaço para divagar”, diz Aquino.
DOCUMENTÁRIO, O FILME
Fernando Grostein dirigiu cinco episódios da série e todo o documentário usado para esta produção e também “Diários da Tranca”, o documentário em longa-metragem dirigido por Grostein, Bial e Cláudia Calabro, que as três produtoras (Globo, Gullane e Spray) colocarão nos cinemas, logo após a exibição da série na TV. Isso dá ao título um desdobramento interessante, um combo que começa com a janela da internet (exibição para assinantes da GloboPlay), segue para exibição na tela aberta da TV e instiga o lançamento de outro produto para o cinema.
Reconhecido pelo valor de “Quebrando Tabu”, criação sua, Grostein conta que foi Drauzio Varella quem o indicou a Pedro Bial, quando o jornalista procurou o médico pela primeira vez para transformar “Carcereiros” em série de TV.
O filme incluirá a dura realidade das mulheres em presídios e o abandono sofrido por elas. “Os homens são visitados por suas mulheres, mas as mulheres são esquecidas pelos parceiros e filhos”, conta Grostein. Muitas são presas por ajudarem os maridos no tráfico de drogas, inclusive escondendo drogas na vagina para adentrar os presídios. O documentário para o cinema enfocará ainda os partos, a separação dos filhos após seis meses e outras histórias reais que a série não conta.
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“Nós roteiristas, já nos conformamos com o fato de que a realidade sempre supera a ficção. Por mais que a gente carregue nas tintas, vem a realidade e supera. Entrar nesse universo não é uma coisa fácil, não é possível escrever com luva cirúrgica. Mesmo sendo uma gravação, não entramos num presídio sem que aquilo nos afete”
Marçal de Aquino, um dos roteiristas