Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Com tanta coisa para ver, não deixe de assistir a ‘AmarElo’

Emicida abre as portas do Municipal à diversidade / Divulgação

São tantos canais, tantos serviços de streaming e tantas leituras acumuladas, que fica difícil dar conta de tudo o que a gente quer consumir. Mas no bolo do audiovisual que nos é vendido em casa, há dois títulos muito interessantes que não deveriam passar despercebidos por ninguém: “AmarElo – É para Ontem”, o documentário de Emicida, que tem sido muito indicado nas redes sociais, e “Cercados”, também documentário, retratando o árduo trabalho da imprensa nesses tempos de pandemia sob o negacionismo liderado pelo presidente da República.

Um é Netflix. O outro, GloboPlay. Vou me dedicar a falar de Emicida aqui e, logo mais, abordarei Cercados em outro texto.

  • AmarElo – É pra Ontem

Emicida parte de uma apresentação no Theatro Municipal de São Paulo, lugar suntuoso onde poucos pretos pisaram (e ainda pisam), um monumento da cidade de São Paulo, que como todos os outros, contou com a participação de negros para ter suas vigas erguidas. Faz daí uma viagem no tempo, um vaivém entre palco, bastidores do show e um passado longínquo, resgatando antes de mais nada os males ainda vigentes dos tempos da escravidão.

Embarcamos em aula preciosa sobre os sons da periferia desta São Paulo pouco vista pelos holofotes midiáticos, que no entanto contraria o fluxo financeiro da Faria Lima e se impõe com uma força que parece inenarrável -só parece, já que o filme consegue nos mostrar de que modo isso tem se desenhado nos últimos dez anos. Pessoas antes invisíveis têm se feito notar com um potencial impossível de ser camuflado.

Estamos em um caminho irreversível, que bom, em busca de igualdade, ou no mínimo de uma redução dessa desigualdade que deveria envergonhar a todos nós.

É nesse painel que Emicida nos apresenta ainda um cenário completamente à parte, mas totalmente inserido em suas conquistas sociais: o cultivo de sua horta. Com um chapéu oriental, o músico rega suas hortaliças e colhe berinjelas para o almoço, explicando de que forma o conhecimento sobre as sementes, seu crescimento e consumo, em contato com a terra, o ajudaram a compreender a própria existência, “tá ligado”?

“Nóis só tem nóis” é um refrão entoado entre negros e desfavorecidos, um hino do filme, que prega união entre eles, vítimas preferenciais de ações policiais, milicianos ou seguranças em serviços privados, como bem mostra o histórico de tragédias ocorridas no Carrefour.

Oxalá “Nóis só tem nóis” possa servir a todos nós de fato, para além da periferia e dos pretos, com extensão a uma nação onde a classe média baixa já se acha muito melhor do que aqueles que estão um degrauzinho abaixo dela. É gente que não tem educação nem saúde pública de qualidade, mas já se sente feliz em protestar contra auxílios como o Bolsa Família, calando-se diante do sistema que propicia ao Bolsa Banqueiro uma margem de lucro descomunal diante do correntista.

No plano musical, Emicida leva o espectador a perceber onde o samba encontra o hip hop e o rap, esquina que só um profundo conhecedor do assunto, disposto a contextualizar esse universo todo, é capaz de localizar.

A direção de Fred Ouro Preto e a montagem do filme dão à edição uma agilidade que o torna muito palatável, e portanto útil, eu diria, a crianças, jovens, adultos e velhinhos, gente de todas as idades, com grafismo e animações muito atraentes. Desta forma, a embalagem fica à altura do conteúdo e está feito um bom programa, aparentemente de puro entretenimento e, por isso, de imenso caráter educacional: tudo que consegue levar aprendizado enquanto diverte o espectador tem um efeito de conscientização  maior sobre o repertório assimilado pela plateia.

Abaixo, só o videoclipe da canção que batiza o filme:

 

 

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Cristina Padiglione

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