Entenda como o Big Data está transformando a diversidade em Hollywood
Por Rafael Lessa (*)
Roteirista de séries
O que as 12 indicações de “Bridgerton” ao Emmy têm a ver com o uso de dados para criar conteúdo narrativo em Hollywood? Tudo! E isso é só o começo da história.
A premiação, que acontece no dia 19 de setembro, já é histórica, sem mesmo ter acontecido. É a primeira vez, por exemplo, que uma mulher trans é indicada ao prêmio de Melhor Atriz em série dramática. No caso, MJ Rodriguez, de “Pose”, que ainda é apenas a segunda latina finalista na mesma categoria na história do prêmio. Bowen Yang, de “Saturday Night Live” é o primeiro sino-americano indicado a ator coadjuvante, além de ser abertamente gay: mas são seus momentos virais no show que fazem dele o favorito a vencer em sua categoria.
Da HBO, “Lovecraft Country” também faz história como a primeira série a ter dois atores principais negros finalistas pelo mesmo programa. O título também teve um artista negro concorrendo em todas as categorias de atuação, já que Michael K. Williams e Aunjanue Ellis são indicados como coadjuvantes.
Essas nominações e muitas outras fazem do Emmy deste ano o mais diverso da história: no total são 49 indicados não-brancos, um aumento de 17% em relação à marca histórica de 2020. Mas essas escolhas não são por acaso. Hollywood tem feito um esforço redobrado em ser mais inclusiva, vide os recentes escândalos nos prêmios Globo de Ouro que inviabilizaram a cerimônia do ano que vem, por causa da ausência total de membros não-brancos na associação que vota na premiação.
“Bridgerton”, criada por Shonda Rhimes para a Netflix, é um desses incríveis sintomas de que às vezes as coisas mudam sim — e para melhor. Mas “Bridgerton” não foi resultado da boa vontade de uma empresa em fazer conteúdo diverso. Ela é o melhor de muitos exemplos de como o uso de dados ajuda a construir diversidade no entretenimento. A série, que bateu recorde ao ser assistida por 82 milhões de espectadores no primeiro mês, foi criada para atender a uma demanda do público.
De acordo com Bela Bajaria, a vice-presidente de TV global da Netflix, a série nasceu não pelo desejo de uma pessoa ou por causa de uma ideia genial, e sim pela análise cautelosa dos dados de preferência dos usuários. De acordo com a pesquisa da Netflix, existe uma demanda de seus usuários por conteúdo estrelado por pessoas não brancas, da comunidade LGBTQ+ e mulheres, ao mesmo tempo que existe um grande interesse por histórias de época baseadas em material já publicado.
Foi assim que Bela teve a ideia de juntar Shonda Rhimes e a coleção “Bridgerton”, da autora Julia Quinn. Nos livros, não há personagens gays ou negros, e foi essa a grande sacada da Netflix: misturar os dois universos e criar o maior sucesso, até hoje, da história da empresa.
Mas ainda há um longo caminho pela frente. De acordo com a consultoria McKinsey, o custo do racismo em Hollywood é de US$ 10 bilhões por ano, valor que poderia ser lucrado caso os estúdios criassem projetos mais diversos. De acordo com um estudo da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), 91% dos executivos nos maiores estúdios são brancos, e 82%, homens.
Outra pesquisa, da Fundação Annenberg, da universidade USC (Universidade do Sul da Califórnia), revelou que entre 2007 e 2019, dos 1.300 filmes mais populares nas bilheterias do período, apenas 57 foram dirigidos por uma mulher.
Há esperança de que tudo isso vai mudar. Da mesma forma que as pesquisas de audiência da Netflix foram muito importantes para entender como o público respondia a determinada programação televisiva, hoje existem departamentos e empresas dedicadas a entender, prever e agrupar dados sobre a nossa forma de assistir a filmes e séries, como é o caso da JumpCut, uma empresa que junta tecnologia e criatividade para trabalhar com diversos produtores, canais e plataformas de streaming, baseando suas ideias em dados de inteligência artificial.
Essa nova era tecnológica de Hollywood veio para ficar, e já mostra ótimos resultados, tanto de crítica como em números de espectadores, e com um longo caminho a ser explorado pela frente.
APOSTAS NO EMMY:
Melhor Série Drama
Indicados:
“The Boys”
“Bridgerton”
“The Crown”
“The Handmaid’s Tale”
“Lovecraft Country”
“The Mandalorian”
“Pose”
“This Is Us”
Vai ganhar: The Crown
Merece ganhar: The Crown
Apesar de as três últimas temporadas terem ganhado 10 Emmys, “The Crown” nunca levou o prêmio principal. Deste ano não passa: a 4ª temporada foi a melhor até agora, e sem a concorrência de “Sucession”, o caminho está limpo para a série ser finalmente consagrada.
Melhor Série Comédia
Indicados:
“black-ish”
“Cobra Kai”
“Emily in Paris”
“The Flight Attendant”
“Hacks”
“The Kominsky Method”
“PEN15″
“Ted Lasso”
Vai ganhar: “Ted Lasso”
Merece ganhar: “PEN15”
Não há como parar o campeão de indicações (20): “Ted Lasso” tem tudo para prevalecer nas categorias de roteiro, direção e atores coadjuvantes. E como é refrescante assistir a uma série de comédia genuinamente engraçada após dramédias terem prevalecido em anos anteriores. Mas se a Academia quiser realmente ousar, premiaria “PEN15”, do Hulu, série criada pelas atrizes Anna Konkle e Maya Erskine, que também estrelam nos papéis de adolescentes de 13 anos, sendo que elas, na realidade, têm mais de 30.
Melhor Atriz Comédia
Indicadas:
Tracee Ellis Toss – “black-ish”
Jean Smart – “Hacks”
Allison Janney – “Mom”
Aidy Bryant – “Shrill”
Kaley Cuoco – “The Flight Attendant” – Kaley Cuoco
Vai ganhar: Jean Smart, por “Hacks”
Merece ganhar: Keley Cuoco, por “The Flight Attendant”
A veterana Smart é uma das preferidas da Academia e também está indicada como melhor atriz coadjuvante em minissérie. Mas é nessa modalidade que é favorita, apesar de dividir o protagonismo da série com a novata Hannah Einbinder. Apesar de Jean Smart ser a favorita sentimental, foi Keley Cuoco quem provou que não é mais só a moça divertida de “The Big Bang Theory” e deu tudo de si como a aeromoça alcóolatra na primeira temporada de “Flight Attendant”, que seria a favorita a ganhar como melhor comédia, caso “Ted Lasso” não existisse.
Melhor Atriz Drama
Indicadas:
Uzo Aduba – “In Treatment”
Olivia Colman – “The Crown”
Elisabeth Moss – “The Handmaid’s Tale”
Mj Rodriguez – “Pose”
Jurnee Smollett – “Lovecraft Country”
Vai ganhar: MJ Rodriguez, “Pose”
Merece ganhar: MJ Rodriguez, “Pose”
A favorita ainda é Emma Corrin, que incorporou Lady Di não só através da incrível semelhança física, mas sobretudo dando tudo de si na conturbada trajetória emocional da princesa. Mas minha aposta é em MJ Rodriguez porque é a temporada final da série e, logo, a última chance de a academia premiar a atriz e fazer história. Com a vitória inesperada de Zendaya ano passado, o Emmy já provou que gosta de surpreender.
Melhor Ator Drama
Indicados:
Regé-Jean Page – “Bridgerton”
Jonathan Majors – “Lovecraft Country”
Matthew Rhys – “Perry Mason”
Billy Porter – “Pose”
Josh O’Connor – “The Crown”, Sterling K. Brown “This Is Us”
Vai ganhar: Billy Porter, “Pose”
Merece ganhar: Josh O’Connor, “The Crown”
Porter ganhou pela primeira temporada de “Pose” e agora tem grandes chances de ganhar pela última, já que seu personagem foi o eixo emocional da reta final da série que rompeu barreiras em Hollywood. Porém é Josh O’Connor, que teve a ingrata tarefa de colocar humanidade no Príncipe Charles, quem merece o prêmio: fazer o público simpatizar nem que por um segundo com o príncipe hesitante mostra o quão bom ator é o britânico, que já havia se destacado no filme cult “God’s Own Country”.
Melhor Ator Comédia
Indicados:
Anthony Anderson – “black-ish”
Michael Douglas – “The Kominsky Method”
William H. Macy – “Shameless”
Jason Sudeikis – “Ted Lasso”
Kenan Thompson – “Kenan”
Vai ganhar: Jason Sudeikis, por “Ted Lasso”
Merece ganhar: Jason Sudeikis, por “Ted Lasso”
Sudeikis vem dominando todos os prêmios de melhor ator da temporada e o Emmy será sua consagração. Não tem como não se apaixonar pelo adorado Lasso, que poderia ter caído na caricatura nas mãos de um ator sem a mesma complexidade de Sudeikis, veterano do programa “Saturday Night Live”. O seu concorrente mais próximo é justamente outro veterano do “SNL”: Kenan Thompson, que pela primeira vez estrela uma série como protagonista. Seu Emmy seria mais uma vitória da diversidade.
(*) Rafael Lessa é carioca, 39 anos, e começou sua carreira como roteirista com o filme “Tá” (2008), de Felipe Sholl, vencedor do prêmio Teddy de melhor curta LGBTQ no Festival de Berlim. Em 2006, mudou-se para Nova York, onde fez mestrado em roteiro na Universidade Columbia. De volta ao Brasil em 2011, escreveu o documentário “Francisco Brennand” (2012), premiado como melhor filme na Mostra de São Paulo daquele ano.
Escreveu para programas como “Vai que Cola” e “Tudo pela Audiência”, ambos do canal Multishow. Foi roteirista das duas temporadas da série “Samantha!”, da Netflix, e roteirista-chefe e co-produtor executivo da série “Lov3”, a ser lançada em 2021 pela Amazon Prime Video. Também chefiou a sala de roteiristas de um novo projeto da produtora O2 Filmes para o Globoplay.
Além da carreira como roteirista, seu trabalho em curtas-metragem LGBTQ já foi exibido e premiado em festivais como Berlim, Festival do Rio, Tiradentes, Guadalajara, Mix Brasil, entre outros. Em 2016 foi um dos 20 cineastas perfilados no livro “O Cinema que Ousa Dizer Seu Nome”, de Lufe Steffen (Ed. Giostri).
Rafael agora volta para os Estados Unidos onde vai passar dois anos em Los Angeles estudando no programa de MBA com foco em entretenimento da University of Southern California (USC).