Covid-19: Record é cobrada por suspeita de desrespeito a isolamento; emissora nega
O Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo recebeu da redação da Record TV uma denúncia de que várias pessoas que tiveram contato com funcionários afastados por terem testado positivo para a Covid-19 continuariam trabalhando normalmente na redação. Em 31 de março, havia seis profissionais afastados, mas o número já subiu.
Um deles diz respeito a uma funcionária casada com outro profissional da emissora -ela foi afastada, mas ele continua trabalhando. Outro caso é de uma repórter que fazia par com um cinegrafista igualmente doente pela contaminação do novo coronavírus -ele foi afastado, mas ela permanece em campo, se revezando com outros cinegrafistas e colocando também em risco os motoristas encarregados de saírem com as equipes de reportagem. Segundo colegas, essa repórter tem apresentado tosse, causando ainda mais tensão a um ambiente que já é tenso por vocação.
O blog vai preservar os nomes dos envolvidos.
Procurada, a Record nega que esteja falhando na política de isolamento necessária para evitar a contaminação de suas equipes e reforça que todos os casos suspeitos foram afastados do trabalho -o que é verdade: o risco estaria nas pessoas que, em contato com os contaminados até as vésperas da confirmação, continuam na empresa. A emissora informa ainda, por meio de seu departamento de comunicação, que “mais de 50%” dos funcionários vêm trabalhando de casa. Quanto a um ofício enviado à emissora pelo sindicato, a Record afirma que não vai comentar.
O blog procurou o sindicato para tomar conhecimento sobre o cumprimento de medidas nas redações de TV, até em razão de os jornalistas estarem trabalhando mais nesses dias de quarentena e de o departamento ser o único em pleno funcionamento nas emissoras de TV. Todos os demais segmentos (teledramaturgia, comercial, administrativo, shows e variedades) estão em recesso ou home-office.
Segundo seu presidente, Paulo Zocchi, só houve queixa na Record. Zocchi disse ao Telepadi que a Globo respondeu prontamente, no dia seguinte, tendo apresentado uma série de cuidados a seguir. A RedeTV! foi aos poucos se adaptando, assim como Band, Cultura e SBT, mas o fato é que nenhuma outra apresentou reclamações no que diz respeito à segurança dos trabalhadores do setor.
“Nós falamos com o Thiago Contreira, ele é muito atencioso, diz que todas as normas estão sendo seguidas, que o afastamento de suspeitos tem sido adotado, que vai verificar e tal, mas a verdade é que os profissionais continuam se queixando e trabalhando com medo de qualquer tosse vinda de alguém que trabalhava com quem já foi afastado pelo Covid”, disse Zocchi ao blog.
Outra proposta a ser feita às empresas é a divisão da redação em duas turmas e um escalonamento para preservar uma equipe, caso a outra apresente alguém suspeito ou contaminado.
Muitas normas foram criadas especialmente para as equipes que precisam se locomover, sem chance de home-office. Muitas entrevistas têm sido feitas por meio de videos enviados pelos entrevistados e as equipes têm levado para as reportagens externas ao menos dois microfones, modelo lançado pela Globo, para que um fique apenas nas mãos do entrevistado, sem que o repórter precise chegar perto dele. Ainda na Globo, cada jornalista de vídeo ganhou um kit pessoal de maquiagem, com pincéis, esponja, lápis e batom para evitar a troca de instrumentos com outros profissionais.
No ofício enviado à Record esta semana, Zocchi reforça que o sindicato já havia enviado à Record e a todas as empresas jornalísticas um ofício com “12 propostas para o combate” à Covid-19, nas empresas jornalísticas, à epidemia de Covid-19.
Diz o texto: “O nosso documento parte da constatação de que o jornalismo é uma atividade essencial de combate à pandemia, e por isso, devem ser tomadas todas as medidas para que seja mantido – garantindo à população o direito de receber informações corretas, que possam ajudar a orientar as pessoas numa maré de boatos e de obscurantismo –, ao mesmo tempo em que se garanta a proteção da saúde dos jornalistas e de suas famílias.
Em função das informações alarmantes que recebemos de diversos jornalistas da Record nas últimas horas, chamamos a atenção dos senhores, particularmente, para o ponto 2 das propostas que incluímos em nosso documento enviado à empresa há 15 dias:
‘2. Afastamento imediato para quarentena, sem prejuízo de vencimentos, de qualquer jornalista que apresente sintomas respiratórios compatíveis com a doença, que tenha chegado de viagem ao exterior ou que tenha tido contato próximo e recente com pessoa testada como positiva para a Covid-19” (sublinhado nosso).
Esta proposta não surgiu da cabeça dos jornalistas: é amplamente recomendada por autoridades sanitárias do Brasil e do exterior e está sendo largamente praticada por todos os que buscam frear a expansão da Covid-19, em função das características da doença – alta taxa de contágio, inclusive por pessoas assintomáticas. E mais, a recomendação está explícita na Lei 13.979, de 6/2/2020, que especifica a ‘separação de pessoas suspeitas de contaminação’ (grifo nosso), e na portaria 356 (11/3/2020) do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que regulamenta a lei, e estabelece que a medida de isolamento abrange ‘os casos de contactantes próximos a pessoas sintomáticas ou portadoras assintomáticas, e deverá ocorrer em domicílio’. Ainda que a portaria designe como autoridade pertinente o agente de vigilância epidemiológica, considerando que estamos em meio a uma pandemia e que a contaminação cresce de forma acelerada a cada dia, é óbvio que a direção desta empresa, ao tomar conhecimento de pessoas contaminadas ou com sintomas em meio a seus funcionários, tem a responsabilidade incontornável de afastar todos os que com eles tiveram contato próximo, como forma de impedir a propagação da doença e proteger o seu corpo de profissionais.
A Lei 13.979, de combate à pandemia, em seu artigo 3º, determina que ‘as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas’, de modo que ‘o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei’.
É de uma evidência gritante que pessoas que tiveram contato próximo com outras contaminadas devem ser imediatamente colocadas em quarentena em suas residências, independentemente de terem sido submetidas a testes laboratoriais, haja vista a dificuldade em providenciar de imediato testes para todos. A enorme preocupação de nossa parte com a situação da Record vem do fato de que se sabe que diversos profissionais dessa empresa, infelizmente, contraíram a Covid-19, e de que pessoas que conviveram estreitamente com eles continuam no ambiente de trabalho. Vejam dois exemplos:
– um repórter-cinematográfico contraiu a doença, e a repórter que até então fazia ‘dupla’ com ele prossegue em suas atividades profissionais;
– uma integrante da coordenação do Cidade Alerta também está com o novo coronavírus, e seu marido, também funcionário da Record, continua trabalhando.
As informações acima são fornecidas por jornalistas dessa empresa ao Sindicato, mas deveriam ter sido divulgadas internamente pela direção da empresa a seus profissionais.
A Record falha totalmente na obrigação da transparência. Chega a ser incrível que a emissora queira sonegar informações tão graves justamente a profissionais de comunicação, cujo ofício é apurar a verdade!
Um comunicado interno divulgado ontem à noite (30/3) pela direção da empresa afirma que ‘apenas o próprio paciente e família podem autorizar a divulgação do estado de saúde. Portanto, a RecordTV (…) não pode dar informações médicas de qualquer um de seus colaboradores.’ Trata-se de uma meia-verdade. Naturalmente, o ‘paciente’ tem direito à privacidade, mas é obrigado a informar a RecordTV de seu estado, inclusive por atestado médico, para justificar a sua ausência do trabalho. Neste caso, não há privacidade… Da mesma forma, não se pode alegar esta privacidade quando se trata de informar as pessoas que tiveram contato próximo com o portador do vírus de que a sua saúde está em risco, de que pode ser um eventual portador e disseminador da doença para as pessoas de sua família ou de sua relação próxima. Por fim, é evidente que, em casos de pandemia e calamidade pública, o interesse coletivo de acesso a informações claras e precisas prevalece sobre o interesse individual.
A falta de informações claras e de diálogo com os profissionais causa grande insegurança. Mais um exemplo: há alguns dias, a Record emitiu um comunicado dizendo que, a partir de 25 de março, faria uma desinfecção emergencial em várias dependências da emissora, incluindo os três primeiros andares do Centro Exibidor HD. Mas, ao que parece, a primeira pessoa na empresa que contraiu a doença havia feito edição de vídeo no 4º andar, que não foi incluído na desinfecção. Por que não? Não sabemos.
De qualquer maneira, a emissora sabe quem são os funcionários com fortes suspeitas ou confirmação da contaminação, e tem a obrigação legal e moral de imediatamente afastar os que possam ter sido contaminados, sob pena de responder pelos danos causados, por omissão, à saúde dos atingidos.
Pelas informações que nos chegaram (e que, obviamente, não têm a mesma precisão da informação que a própria empresa possui e que teria a obrigação de fornecer a seus funcionários), há pelo menos seis profissionais com o novo corona vírus ou fortes suspeitas disso, sendo dois repórteres-cinematográficos, uma profissional da chefia de reportagem, uma da pauta e dois do Cidade Alerta. É uma situação de emergência, que exige medidas à altura da gravidade do problema. Com base na experiência destes dias em diversos setores de nossa categoria que enfrentam situações semelhantes, formulamos as seguintes propostas:
1. Afastamento imediato de todos os profissionais com suspeita de serem portadores do novo coronavírus (sintomáticos);
2. Afastamento imediato de todos os profissionais que tiveram contato próximo com pessoas com sintomas de Covid-19 ou que testaram positivo para o vírus (assintomáticos);
3. Informação imediata sobre os casos de profissionais com Covid-19 para todos os que tiveram contato próximo com eles e para as redações nas quais trabalham, além dos profissionais que pedirem informações diretamente à empresa;
4. Ação da empresa para providenciar, o quanto antes, o teste para Covid-19 em todos os seus funcionários, considerando o papel essencial do jornalismo na atual situação e a experiência positiva de países que adotaram tal procedimento, permitindo isolar o quanto antes os que tenham o vírus, mesmo sem sintomas;
5. Solicitação para as autoridades sanitárias de vacinação contra a gripe H1N1 para todos os profissionais de comunicação, segundo reivindicação já encaminhada pelo Sindicato dos Jornalistas;
6. Formação do Comitê de Combate ao Coronavírus na Rádio e Televisão Record, com a participação de jornalistas (e acompanhamento do Sindicato), conforme o ponto 1 do ofício de 16/3/2020, para detalhar, implementar e acompanhar as medidas de combate à pandemia no interior da empresa;
7. Colocação em home office do maior número possível de jornalistas, com os custos do trabalho suportados pela empresa e o respeito à jornada de trabalho;
8. Adoção de medidas destinadas à proteção das equipes de reportagem, como adoção de entrevistas não presenciais, de equipamentos de proteção adequados a situações de risco de contágio e outras, a serem sugeridas diretamente pelos profissionais de campo;
9. Medidas de proteção idênticas estendidas a todas(os) as(os) jornalistas que trabalham na emissora, sejam contratados ou temporários. Consideramos que a Record tem total responsabilidade, também, pela proteção à saúde dos temporários que trabalham em suas dependências;
10. Implantação de rodízio estruturado nas atividades jornalísticas, com equipes estanques em home office e na redação/reportagem fazendo um revezamento, de forma a criar uma reserva de contingente em caso de contágio amplo pelo novo coronavírus, garantindo assim a preservação da atividade jornalística, além de ampliar a proteção à saúde dos jornalistas.
Afirmamos claramente à direção da Record que, na opinião de jornalistas por nós representados, a empresa falhou gravemente na condução deste problema até aqui. Alertamos os senhores que o assunto é extremamente grave, pois se trata da preservação da saúde e da vida de seres humanos.
Estamos à disposição da empresa para debater o assunto – de forma presencial ou virtual, em função da situação – o quanto antes. Apresentamos as propostas acima, mas estamos abertos a discutir quaisquer outras que venham reforçar o combate à Covid-19. Nossa preocupação, acima de tudo, é garantir a proteção à saúde das(os) jornalistas, para que possam prosseguir em sua missão de informar a população brasileira.
Atenciosamente,
Paulo LM Zocchi
Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo”