De Beto Rockfeller a Tio Vavá, Luís Gustavo tinha as melhores histórias a contar
Luís Gustavo, que morreu neste domingo (19), aos 87 anos, não era muito afeito a entrevistas, preservava uma certa distância dos jornalistas, mas não do público que o abordava em razão da fama, isso não. Ao contrário. Era, por trás das câmeras, o mesmo sujeito engraçado que nos fazia rir e sorrir enquanto o escutávamos falar.
Cresci vendo Tatá pela TV, e fui conhecê-lo pessoalmente na época do Bodega, choperia com pinta de bistrô que ele teve com os sobrinhos, Tato e Cássio Gabus, em Moema, bairro da zona sul de São Paulo. O bar chegou a ter uma filial em Perdizes, na zona oeste, que não duraria muito. O trio se desfez do negócio após o triste episódio de um assalto que resultou na morte de duas pessoas e no ferimento de uma terceira, em agosto de 1996. Um desastre. Perdemos o bar e a chance de encontrar os atores em ambiente hospitaleiro, de bom choppe, bons petiscos e conversas sem igual.
Foi nos bons tempos do Bodega que tivemos as nossas melhores prosas, como se eu amiga fosse do Beto Rockfeller, digo, do Tatá, que tantas vezes parecia vestir os trajes de seus personagens. Fazia o tipo de melhor companhia em mesa de bar: bom de garfo, bom contator de histórias e, especialmente, com largo repertório de enredos que ninguém mais tinha.
Na ocasião, ele apresentava uma peça justamente chamada “Eu Sou Beto Rockfeller”, com direção de Antonio Abujamra.
Não tenho prazo de vida para ter acompanhado a novela de Bráulio Pedroso, criada a partir de um argumento de Cassiano Gabus Mendes, que era cunhado de Tatá e ocupava então a direção-artística da TV Tupi, em 1968. Nasci depois. Mas como rata de TV que sou, dedicada ao assunto, sempre parei para ver as reprises de umas poucas cenas que restaram daquele acervo, com Plínio Marcos, Débora Duarte, Ana Rosa e Bete Mendes, todos precisos e vistos em preto-e-branco.
Foi Beto Rockfeller quem rompeu definitivamente a era dos folhetins de reis, rainhas, princesas e sheiks que habitavam as nossas telenovelas, personagens completamente fora da nossa realidade, trazidas ao Brasil pela curadoria cucaracha de Glória Magadan, uma senhora cubana que reunia melodramas de sucesso produzidos pelos nossos vizinhos latinos, da Argentina ao México.
Beto Rockfeller era o brasileiro da boa malandragem, que nada tinha no bolso, mas fingia ser rico. A ideia era de Cassiano, o texto, de Bráulio, a direção, de Lima Duarte, mas Rockfeller não teria provocado o entusiasmo que gerou no público se não fosse Tatá.
No livro “Memória da Telenovela Brasileira” (Ed. Brasiliense, 4ª edição, 1997), de Ismael Fernandes, Beto Rockfeller é descrito como “um charmoso representante da classe média que trabalha numa casa de calçados”.
“Com sua intuição e perspicácia, consegue penetrar na alta sociedade, através de sua namorada, Lu (Débora Duarte), sempre passando por milionário. Quem Beto preferirá, afinal? Lu, a garota sofisticada e rodeada de gente importante, ou Cida (Ana Rosa), a humilde namoradinha do bairro onde mora? A contradição será explicada através de seu nome: Beto, humilde trabalhador da rua Teodoro Sampaio, e Rockfeller, sofisticado e badalado da rua Augusta. Enquanto vacila entre os dois extremos, a grãfinagem dobra-se ante seu maniqueísmo, e ele tem que fazer toda a ordem de trapaça para que sua origem — que já não é segredo para Renata (Bete Mendes), uma jovem grã-fina decadente — não seja descoberta”.
Fernandes descreve ainda que houve “uma rajada de ar novo na televisão”. “Beto abandonava a linha de atitudes dramáticas e artificiais que acompanhava as novelas desde que o gênero havia chegado ao gosto dos brasileiros.” […]
“O maniqueísmo vigente passa a ser integrante do próprio protagonista; o anti-herói assume os postos até então ocupados por personagens de caráter firme, sensatos, absolutamente honestos e capazes de qualquer proeza para salvar a heroína das adversidades. A sua concerpção procurava se aproximar das pessoas comuns, isto é, ter as atitudes boa e más conforme se apresenta a vida.”
Tatá nos brindaria ainda com mais uma fileira de grandes tipos, mas confesso que não me lembro de nenhum que tenha me feito chorar. Houve Juca Pirama, é verdade, um radialista sem escrúpulo algum, em “O Salvador da Pátria” (1989), que causava ojeriza no público e nos demais personagens.
No mais, a reação diante dele era sempre o riso. Foi Victor Valentim em “Ti-Ti-Ti” (1982), Mário Fofoca em “Elas Por Elas” (1985) e Tio Vavá no “Sai de Baixo” (1996). E certamente neste dia em que morre Luís Gustavo, em decorrência de um câncer, aos 87 anos, todas as memórias a serem editadas para o obituário dos noticiários de TV hão de lembrar do sujeito que nos fazia sentir vivos o diafrágma e o maxilar.
Obrigada, Tatá.