Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

De sensacionalista a personagem de si mesmo, Marcelo Rezende só não foi indiferente

“Foca em mim!”

Bordão de um dos quadros de maior sucesso do humorístico “Tá no Ar: A TV na TV”, com Welder Rodrigues, o apelo em questão é livremente inspirado no “Corta pra mim!”, que Marcelo Rezende tornou popular no seu modo de narrar as desgraças do dia a dia, pela tela do “Cidade Alerta”. De tanto se divertir com o bullying que praticava diante das câmeras, com profissionais do estúdio, da redação ou de repórteres nas ruas, o apresentador, antes visto como arauto de más notícias, foi ganhando contornos de um personagem de si mesmo e dando vazão a um sujeito engraçado. Assim, o próprio “Cidade Alerta”, apesar dos índices de criminalidade lá expostos, foi encontrando algum espaço de comédia para o espectador.

Nos últimos tempos, Rezende, que morreu neste sábado, 16 de setembro, aos 65 anos, em decorrência de um câncer no pâncreas, promovia concursos e charadas no ar. Trocou de figurino em cena, pediu doação de roupas, partiu para quadros externos com Percival de Souza, com quem gravou cenas andando de patinete pelas marginais, quando o então prefeito de São Paulo Fernando Haddad reduziu a velocidade da pista local para 50 Km/h. A informação foi perdendo espaço para as piadas, mas o deboche se mostrava necessário à medida que a duração do programa foi se estendendo, chegando a ter quatro horas no ar. Era, afinal, um meio de promover algum respiro para a tensão provocada no espectador.

Rezende passava assim a um status para além do apresentador, do âncora ou do repórter. Era, sobretudo, um comunicador, o que não quer dizer que sempre se comunicasse de modo positivo. No universo da TV que incentiva no público a cultura do medo, ele foi mestre. A narrativa das desgraças lhe tomava fôlego e timbre capazes de fazer o espectador se trancar debaixo da cama para não mais sair de casa.

A carreira jornalística, iniciada na área de esportes, mudaria de rumo ainda nos anos 80, quando cobriu o assassinato de José Carlos Nogueira Diniz Filho, rico empresário carioca. Antes da TV, ainda na redação de “O Globo”, aproximou-se do ídolo Nelson Rodrigues, cronista e dramaturgo que trouxe na sua obra toda a carga das desgraças familiares e dos anos como repórter de polícia, e do repórter, também de polícia, Tim Lopes, morto por traficantes anos mais tarde. Com tais companhias, repertório para dramatizar histórias não lhe faltaria.

A Favela Naval, em Diadema, em 1997, foi seu primeiro grande destaque na cobertura policial: dez policiais foram flagrados por cinegrafista amador torturando e atirando em pessoas durante operações na comunidade. Mas seu salto para o cargo de apresentador e para outros canais, a preço de ouro, foi a entrevista feita com Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque para o “Fantástico”, uma espécie de piloto do “Linha Direta”, que estreou em 1999, sob apresentação dele. Na época, a edição, sustentada por trilha de suspense, ao modo dos policialescos da concorrência, com reconstituição de cenas dramatizadas, causou surpresa no espectador da Globo, mais habituado a alguma sobriedade nos noticiários da casa.

Rezende ficou pouco tempo à frente do programa, que logo assumiria uma linguagem menos sensacionalista, sob o comando de Domingos Meirelles, quando ele seguiu para a Record. Passou pela Band, onde apresentou um genérico de “Linha Direta” (o “Tribunal na TV”, em 2010), e pela RedeTV!, onde comandava o “RedeTV! News”. Esteve na Record até 2005 e voltou em 2012, de onde se afastou em maio, ao anunciar que tinha um câncer pancreático, com metástase no fígado.

Interrompeu o tratamento tradicional com quimioterapia há cerca de dois meses, para buscar curas alternativas.

Da figura que gera pânico no telespectador ao sujeito engraçado e polêmico, mesclava elementos contraditórios, uma praxe, aliás, dos grandes comunicadores. Ao mesmo tempo em que ganhou fama expondo a tortura policial, também gritava a favor da pena de morte.

Tenha gostado ou não de sua forte presença na tela, sempre incisivo a ponto de fazer o público crer no que dizia, fato é que Rezende fez diferença na história da TV, tendo dominado uma audiência que na própria Record, com outros apresentadores, havia abandonado o interesse pelos noticiários policiais gritados. Indício disso é que seu afastamento, em maio, provocou a redução do “Cidade Alerta” e derrubou a audiência do noticiário.

Do esporte ao humor, sem perder o olhar dito investigativo, perdeu a vergonha de falar para a massa sem filtro, e manteve uma plateia fiel até o fim.

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Cristina Padiglione

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