Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Debate sobre Ernesto Varela gera comparações com jornalismo atual

Éder Santos, Toniko Melo, Marcelo Tas, Fernando Meirelles e Andréia Sadi

O que o lendário repórter Ernesto Varela perguntaria hoje a Renan Calheiros? Marcelo Tas, intérprete do personagem que fez história fora da Globo nos anos 80, responde: “Ele perguntaria: ‘Senador, o que é governabilidade?'”

A questão veio de um espectador da seleta plateia que acompanhou, na noite de terça, 6 de dezembro, véspera dessa articulação que acabou por salvar o pescoço do presidente do Senado, em um proveitoso encontro entre Tas e seus ex-câmeras, Fernando Meirelles, Toniko Melo e Eder Santos. Todos eles são intérpretes do personagem Valdeci, a quem Varela se referia durante as reportagens. Mediando o encontro, estava a mais bem informada jornalista de Brasília da atualidade,  Andréia Sadi, que de alguma forma se sentiu motivada a seguir esta profissão, inspirada pelos vídeos que viu de Varela, anos mais tade – Andréia, como esclareceu na ocasião, é de 1987, e era só um projeto de gente quando o repórter iniciou sua trajetória, ainda em 1983.

O jornalista e sociólogo Demétrio Magnoli, presente no primeiro comício coberto pela equipe da Olhar Eletrônico, produtora que uniu Tas, Meirelles, Toniko, Marcelo Machado, Eder e tantos outros profissionais no início daqueles anos 1980. Tudo começou pela obsessão de Meirelles em produzir vídeos, num tempo em que só as emissoras de TV podiam comprar equipamentos, dado o controle que o governo militar tinha sobre a informação de massa.

Eis alguns pontos a destacar do encontro de segunda, no Itaú Cultural, em São Paulo, ocasião que encerrou a mostra Varela Upload, com cenas, anotações e informações de um acervo precioso para a memória da TV e do País. A partir dali, oficializou-se o site ernestovarela.com.br, que publicará dois vídeos por semana do repórter vivido por Tas, concluindo um arquivo de 80 vídeos.  Vamos às revelações da ocasião:

  • Ao falarem sobre a arte de perguntar a um deputado, após um depoimento pomposo, mas vazio de conteúdo, se ele realmente acreditava no que estava dizendo, surgiu uma discussão sobre a boa fé que a imprensa atual tem sobre as declarações que lhes são dadas. “Vocês levam tudo a sério e se levam muito a sério”, criticou Meirelles, que falou pouco, mas o essencial. Foi aplaudido pelo auditório. Saddi ouviu a observação e ponderou que o fato de Varela ser um personagem talvez facilitasse a disposição dos entrevistados em conversar com ele mais desarmadas. “Eu estou todo dia no Congresso, tenho que falar com aquelas pessoas todos os dias”, reagiu Andréia. “Tenho que ter um certo jogo de cintura, porque no dia seguinte, estarei lá de novo. Vocês, não. Vocês vinham gravar uma matéria no Congresso e depois viajavam pra Cuba, para a União Soviética, pra Serra Pelada, é diferente. Então, Fernando, dá um desconto, vai?”, pediu.
  • Ao mostrar um trecho do vídeo da visita da equipe a Cuba, em um tempo em que ninguém podia visitar e principalmente filmar a ilha de Fidel, Tas comenta, com ironia, sobre o apreço pela novela “Escrava Isaura”, anunciada por um cubano que se apresenta como comunista. “Esses cubanos acham que são comunistas e assistem novelas da Rede Globo”, debocha. Ao que Demétrio também comentou sobre uma ida a Cuba e o desespero dos moradores em saber quem havia matado Odete Roitman.
  • O Comício das Diretas Já de 1984, na Praça da Sé, aquele que a Globo tratou como festa pelo aniversário de São Paulo na cabeça do “Jornal Nacional”, para só citar o termo “Diretas Já” ao final da matéria de Ernesto Paglia, foi bastante lembrado pela roda, pelo que representou aquele contexto e o trabalho de uma imprensa bastante amedrontada na época. Varela investiga, na ocasião, como e por que aqueles profissionais se tornaram jornalistas. Tonico Ferreira, já repórter da Globo (ele sairia, mais tarde, para trabalhar no SBT, e depois retorna à Globo), disse que fazia “jornaizinhos de oposição na faculdade”. “Agora você faz alguma coisa um pouco diferente”, pergunta-lhe Varela. “É, agora eu faço jornalão da situação”, respondeu, sem o filtro que hoje força todo mundo a traçar uma resposta mais envernizada, de acordo com o mundo corporativo. “Não sei como ele não foi mandado embora”, comentou Toniko no encontro do Itaú. “É que ninguém via”, rebateu Meirelles, divertindo novamente o público.
  • Ainda no Comício das Diretas Já da Praça da Sé, e isso foi em janeiro de 1984, Varela, ao pé do palanque onde estava Fernando Henrique Cardoso, Tancredo Neves e Lula, disse a Valdeci que era bom ter muito cuidado porque aquelas pessoas “serão muito importantes no Brasil daqui a um tempo”. Andréia então provoca Tas para saber quem ele vê, no cenário atual, que possa ser apontado como alguém muito importante para o Brasil daqui a pouco. Ele não tem resposta, diante de tantas indefinições. Demétrio Magnoli então arrisca que todos esses líderes de manifestações, atualmente, serão muito importantes daqui a um tempo. São eles, “o Guilherme Boulus, o Kim Kataguiri, essas pessoas que mobilizam manifestações populares, e não digo que isso seja ruim, só que vira político quem faz política, e “é uma profissão que exige menos esforço que outras”.
  • A apatia da imprensa e sua falta de senso crítico para questionar os entrevistados foi mencionada como um defeito do jornalismo atual. Ao que Tas explicou que essa não é uma deficiência atual. Para ele, há muita gente boa fazendo coisas muito boas sendo pouco notado, “como a gente chegou a ser por algum tempo”. Além disso, lembra de ocasiões em que alguns absurdos foram ditos, naquele tempo do Varela, sem que outros repórteres, já naquela era, se indignassem. A mais notável talvez seja a que resultou na entrevista histórica com o dirigente da CBF, o deputado Nabi Abi Chedi, na Copa do México, em 1986. Tas lembra que a equipe já estava indo embora da concentração da seleção brasileira, quando alguém comentou que Chedi havia proibido os jogadores de falarem de política na ocasião. “Então nós resolvemos voltar pra fazer com ele, e só aí outros repórteres se entusiasmaram e nos acompanharam”.
  • Meirelles lembrou que ficava cutucando Tas para que ele fosse mais incisivo, mais altivo, sem no entanto se dar conta que era o comportamento aparentemente ingênuo, “quase uma criança”, de Varela, que acabava por extrair dos entrevistados declarações e posturas inéditas.

Esses foram alguns dos ótimos pontos levantados no encontro entre Varela e seus Valdecis. Mais que isso, muito mais, prato cheio para suscitar boas reflexões sobre ontem, hoje e amanhã, está no acervo já disponível no novo site. Aí vai um link do novo endereço:

O prazer da política

Com Lula, ainda em 83

Com Lula, ainda em 83

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione