Desafiada pelo streaming, TV paga tem de ‘trocar o pneu com o carro andando’
“O mercado de TV por assinatura não vai acabar, mas ele tem que se reinventar numa velocidade maior. O desafio é trocar o pneu com o carro andando.”
A avaliação é de Renato Meirelles, fundador do Data Favela e do Data Popular, hoje diretor do Instituto Locomotivas, que continua a estudar diagnósticos sobre comportamentos de consumo, só que agora, englobando clientes não necessariamente vinculados a itens tão populares. Para ele, o que ainda mantém o setor com pouco menos que 18 milhões de assinantes, hoje, são os combos – serviços que unem a TV paga à oferta de internet e telefonia.
Entre 2008 e 2014, nos áureos tempos de crescimento da TV por assinatura no Brasil, Renato foi muito solicitado pelo setor para explicar como e por que o brasileiro estava aderindo à TV por assinatura. Evidentemente, isso teve tudo a ver com os anos de crescimento econômico, da mesma fora que agora, diante da crise, o assinante é obrigado a fazer escolhas, optando, muitas vezes, pelo seu serviço de streaming ou simplesmente de internet, abrindo mão dos pacotes com dezenas e às vezes, centenas de canais.
Para o pesquisador, que abriu nesta segunda-feira o Fórum Pay TV, a TV por assinatura vendia sinal e agora vende internet, mas não soube vender seu bem inicialmente prioritário: conteúdo.
“Ao vender entretenimento, a TV paga não vendeu algo concreto, vendeu algo supérfluo. A TV por assinatura sempre tentou vender que era uma indústria de entretenimento, quando, na realidade, ela vendia sinal, que era uma condição básica, no início, e depois passou a vender internet. E o setor abriu mão de vender a relevância que o conteúdo tem na vida das pessoas. É a mesma coisa que um supermercado falar que vende mais barato. Isso não é diferencial, isso é pré-requisito para estar no jogo.”
“A indústria de entretenimento é a mesma coisa, ela precisa dizer o quanto determinado conteúdo é relevante para a educação do filho, para ganhar mais dinheiro com os programas de ‘faça o seu negócio’ ou ‘faça você mesmo’, para se manter informado e manter sua relevância e sua chance na indústria de emprego.”
Neste primeiro dia de fórum – o evento termina amanhã – muito se falou sobre a necessidade de a TV por assinatura se reinventar, em função das plataformas Over The Top e das ofertas de audiovisual gratuito, mas boa parte dos executivos parece resistir à ideia de que esse comportamento pela busca dos serviços de streaming é irreversível e que talvez seja necessário repensar os modelos de empacotamento de canais.
Fato é que enquanto a Netflix amplia seu universo de assinantes (embora a empresa não divulgue números, seus investimentos aqui só crescem), a TV paga tem perdido assinaturas e se retraído ao longo dos últimos dois anos.
Vale a pena conhecer os diagnósticos de Renato Meirelles sobre:
Mudar é preciso
“As pessoas têm uma dificuldade de aprender que nos negócios, assim como na política, não existe espaço para o vácuo. A natureza é concorrente do vácuo. Vamos lembrar o setor de telefonia, lá atrás, as operadoras não queriam ter celular de dois chips, e só tinha desconto se você ligasse para números da mesma operadora. Os chineses vieram e fizeram o celular de dois chips. Hoje, todos podem ter celular de dois chips, mas não é mais necessário porque isso foi obrigando a mudarem os pacotes.”
Não nade contra a maré
“A TV por assinatura tem algo que paga as fortunas que ganham e eles tentam, a todo custo, manter isso, mas eles não entenderam que se eles mantiverem o modelo como está, o primeiro que surgir de uma forma diferente – a Netflix é um primeiro, mas ainda está longe de ser a solução ideal – as pessoas vão procurar solução pra resolver os problemas delas de outro jeito. Isso não tem a ver com eles. Não dá para lutar contra a maré. A questão é como trocar o pneu com o carro andando.
A competência da Globo
“Pra mim, a Globo está fazendo isso com uma competência gigantesca. Todas as linhas de produção estão se apropriando do device, fazendo adesão de aplicativo, usando a TV aberta pra influenciar o novo hábito e para eles liderarem dentro desse novo hábito: tudo isso faz diferença. O problema é que as grandes operadoras fazem de tudo para manter o seu negócio normal e avisar aos gringos que está tudo bem, mas não está. Todos os movimentos que estão acontecendo hoje, esse movimento que a Disney fez agora, ninguém está pensando em comprar uma grande operadora.”
Wi-fi a rodo
“A infra-estrutura para acessar conteúdo de streaming ainda pesa muito num país onde muito do serviço é pré-pago, mas também é verdade que o pré-pago caiu de 82% pra 65% e também é verdade que cada vez mais se consome menos com os dados móveis porque também é verdade que cada vez você tem mais pontos de wi-fi em vários lugares. A Claro e a Vivo oferecemo dobro de internet para baixar filme de tal a tal hora. A Netflix tem cada vez mais conteúdo que pode ser baixado por download e ninguém faz download usando a banda móvel.”
A força da TV aberta
“A TV aberta é muito forte, o que começa a acontecer é ver que alguns conteúdos da TV aberta, quando migram para a internet e fecham a semana, tiveram mais audiência na internet do que na TV. De fato é convergência, mas a TV aberta, por ser gratuita e ter 100% de penetração, tem um evelhecimento muito mais lento que a TV por assinatura.”
PARÊNTESE: Renato apresentou durante o Fórum uma pesquisa que atesta que o público da TV paga é mais velho que o da TV aberta e, claro, muito mais velho que a média etária de quem consome Netflix.
TV paga é status (só para idades avançadas)
“A lógica não é de defender o que já está aí. A lógica é: quais as alterações que precisam ser feitas pra efetivamente conseguir se conectar com o novo consumidor, não é com o velho, não. Pra muita gente mais velha, abrir mão da TV por assinatura é um custo muito grande, um custo de tradição, ‘isso vai mostrar pra todo mundo que eu estou sem grana’. Acho que parte está relacionado com status e parte tem a ver com idade mesmo.”
Ver TV sob outra ‘alfabetização’
“O jovem, que já nasceu conectado, que já é nativo digital, ele não relaciona TV paga a status. Ele não foi alfabetizado com as regras desse sistema, ele não tem compromisso com isso. E tem outro fator chave: quando a TV aberta passa a oferecer cada vez mais pelas suas plataformas ou por plataformas parceiras (o SBT faz muito com o YouTube, a Globo faz com as próprias plataformas), mesmo que algum conteúdo seja pago, ela sabe ocupar um papel de curadoria. A Globo Play tem muita coisa aberta e isso dá esse atropelo no device e ela vai se apropriando do device. Ao se apropriar do device, vai mudando a relação com essas pessoas no consumo de conteúdo. Isso tem uma consequência, a médio e curto prazo, enorme, de uma nvoa geração de telespectadores que estão sendo formados com uma outra alfabetização.”
SmartTV tem tudo
“A indústria de aparelho de TV está oferecendo tudo na SmartTV, os celulares, todos têm os mesmos recursos. É óbvio que isso muda a relação. A necessidade do serviço hoje não é pela TV paga, é pela internet.”
Crise ou efeito streaming?
Primeiro, a crise pegou. Na crise, você tem que fazer escolhas e escolher entre categorias: o que é mais importante? Manter meu sinal de internet ou minha TV por assinatura? E aí a indústria de TV por assinatura tem uma dificuldade gigantesca em agregar valor ao entretenimento, dando ao entretenimento a ideia de que é supérfluo. Todo esse conteúdo tem que ser vendido como algo além do entretenimento. Isso não é vendido pelas operadoras.”
É o fim da TV paga?
“Não é o fim, mas tem que se reinventar. Isso, do jeito que está, vai acabar em 20 anos. As operadoras podem negar que isso vai acontecer ou podem ir trabalhando com as mudanças no setor. Imagine, hoje, onde vai acabar isso? Quando a internet vier por rádio frequência, o que vai sobrar? A nova tecnologia vai mudar isso.”