Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Disposta a ampliar diversidade, Globo inclui indígenas em oficina de roteiristas

Em 19 de abril, Globo exibiu o especial Falas da Terra, onde Valdelice Verón Guarani Kaiowá deu comovido depoimento sobre o pai, líder do povo guarani kaiowá, Cacique Marcos Verón, que foi assassinado / Divulgação

Os efeitos das políticas de diversidade e afirmação ainda demoram a romper velhos cacoetes, não só na vida real, mas no audiovisual, onde tudo se reflete e se faz refletir. Neste momento em que a novela “Nos Tempos do Imperador” sofre críticas sobre a persistência de um olhar unilateral, dos brancos, a respeito da história da escravidão no Brasil, a Globo está na 5ª edição de uma oficina de roteiros batizada como Laboratório de Narrativas Negras e Indígenas para Audiovisual (Lanani).

O programa é efetivamente um indício de que há um esforço para sanar os erros cometidos a partir da exclusão de vozes divergentes na contação das histórias, erros ainda vigentes, mas em proporções cada vez menores, oxalá, e dispostos a revisões e autocríticas.

Fruto da parceria entre a Globo e a Festa Literária das Periferias (Flup), o projeto é focado na formação de roteiristas. A nova rodada teve início nesta quinta (16), contemplando pela primeira vez profissionais indígenas.Em abril, a emissora exibiu o especial Falas da Terra, que contou com gente em seu lugar de fala na frente e por trás das câmeras.

Ao todo, foram selecionados 40 participantes para esta edição do Laboratório, sendo 20% deles descendentes diretos de povos originários. A abertura desta turma aconteceu com aula inaugural comandada pela cineasta Graciela Guarani e pelo diretor da Globo Jeferson De, que hoje pertence ao cast de diretores do grupo e desenvolve novos projetos para a emissora e seu serviço de streaming. Recentemente, chegou ao GloboPlay o filme “Doutor Gama”, sob sua assinatura.

A oficina será remota, o que encurta distânicas, permitindo mais diversidade em classe, com duração de 12 semanas. As aulas e palestras trazem conceitos básicos de narrativa, construção e desenvolvimento de personagens e tramas de diferentes gêneros, como humor e ficcionalização de fatos reais.

O time de palestrantes é bem bacana, com uma lista que inclui Paulo Lins, Carolina Kotscho, Martha Mendonça, Elisio Lopes Jr., Pedro Riguetti e Tati Bernardi. Como padrinhos, a turma da vez tem a sorte de contar com Jorge Furtado e Rosane Svartman, dois craques do audiovisual.

Há ainda um time de profissionais que faz um trabalho de orientação com os alunos, trabalhando com grupos de cinco participantes, para acompanhar melhor o desenvolvimento do argumento final das ideias ali apresentadas. O grupo é formado por Mariana Jaspe, Carla Faour, Gabriela Amaral, Igor Verde, Renata Dias Gomes, Clarisse Vianna, Elsa Maffia, Jo Bilac e Mariani Ferreira.

“O Lanani é uma experiência inovadora, de descoberta de novos talentos e narrativas, mas também é uma das portas de entrada para a diversidade que estamos buscando na Globo”, diz Marcia Lins, gerente de Aquisição e Desenvolvimento artístico da Globo. “É um espaço de troca importante para nós porque, ao mesmo tempo em que desenvolvemos jovens roteiristas, nutrimos nossos criadores com diferentes visões e olhares sobre o mundo. E assim o Laboratório contribui para a construção de um mercado audiovisual mais diverso e inclusivo”, conclui.

Ela tem razão. A chegada de novos olhares beneficia a dissolução da bolha branca que dominou o setor desde o nascimento do cinema no Brasil, o que foi reforçado com a chegada da TV. O projeto traz novos olhares para todo tipo de narrativa e amplia o horizonte de quem já estava na roda.

Para Julio Ludemir, um dos criadores da Flup, “a brutal crise sanitária, política e econômica do país pode ter nos roubado a esperança por dias melhores, mas, qualquer que seja a ideia de futuro para o Brasil, ela obrigatoriamente implica uma ampla discussão sobre as heranças da colonização, marcada pelo genocídio do povo indígena e pela escravização do povo negro.”

“Esse genocídio”, completa Ludemir, “se deu também no campo das narrativas artísticas, onde essas vozes têm sido silenciadas há séculos.”

Em cindo edições abertas até aqui, o Laboratório em questão recebeu mais de 2.000 inscrições, 150 participantes e 136 argumentos entregues, resultando em mais de 20 roteiristas contratados pela Globo.

A maior vitória desse programa é o especial de Natal “Juntos a Magia Acontece”, produzido a partir de um argumento construído no Laboratório, que ganhou parceria da Coca-Cola e foi vencedor do Leão de Ouro na categoria Entretenimento, no Festival Internacional de Criatividade de Cannes 2020/2021.

A oficina vai até 18 de novembro e conta até com uma cerimônia de encerramento, este ano prevista para ocorrer em 25 de novembro.

 

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Cristina Padiglione

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