Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Do desentendimento ao debate civilizado, divergências fazem bem à GloboNews

Julia Duailibi e Octavio Guedes no Em Ponto, da GloboNews / Reprodução

A cena é cada vez menos rara, mas diante de tantas divergências que mais parecem brigas, mereceu boa surpresa de espectadores dispostos a repercutir no Twitter o que veem na TV:

No Em Ponto, da GloboNews, nesta quinta-feira (14), a apresentadora Júlia Duailibi e o comentarista Octavio Guedes apresentaram posicionamentos distintos sobre a possibilidade de o setor privado comprar vacinas contra a Covid-19. Um lote de 5 milhões de unidades do imunizante fabricado na Índia poderia vir parar no Brasil, pelas mãos de empresários.

Duailibi defendeu que isso não afetaria a distribuição pelo SUS de outras vacinas. Já ele acredita que se há 5 milhões de vacinas com possibilidade de importação da Índia, o governo deveria se apropriar também desse estoque para distribuição gratuita.

Para Guedes, se o planejamento de vacinação, sem esse lote, não tem datas nem distribuição definidos, como crer que mais 5 milhões de vacinas seriam excedentes, indiferentes à política de vacinação de toda a população? Os dois concluíram, após um rico debate de argumentos apoiados em fatos, e não em achismo, que ele é mais pessimista e ela, mais otimista. E, importante: foram capazes de, ao final de suas defesas de pontos de vista distintos, compreender a sustentação alheia.

A GloboNews tem entrado no foco do Twitter, com bons efeitos para o canal, por divergências travadas diante da tela. É bom que se desfaça a antiga ideia de comentaristas que tenham receio de divergir um do outro, como acontecia nos velhos tempos em que o Casseta & Planeta satirizava os programas de debates (sem debates) do canal, ridicularizando o fato de três analistas concordarem entre si.

Ex-chefão da Globo, Boni citou em entrevista ao site NeoFeed, na última semana, que faltam divergências e debates ao jornalismo de TV, mencionando nominalmente a GloboNews.

De fato, a direção do canal parecia zelar pelo entendimento entre seus analistas, com receio de descambar para um barraco ao vivo. Mas há que se confiar nos profissionais escalados para sustentar suas posições, e a larga repercussão entre uma edição do GloboNews Painel entre Gerson Camarotti e Demétrio Magnolli, no início deste ano, mostrou que não só é possível exibir divergências, como é saudável -para a informação e para a repercussão daquele conteúdo.

Na noite de quarta-feira (13), Magnoli, sociólogo e colunista da Folha, voltou a provocar reações de divergência, dessa vez em Guga Chacra, que o desmentiu sobre um meio-lock down em Nova York. “Não é verdade, eu estou aqui, não há lock down nem meio lock-down”, interrompeu o correspondente.

É certo que o quadro O Grande Debate, da CNN Brasil, tenha alimentado na direção da GloboNews a percepção de que a divergência faz bem à conversa, mas o que se encontra no tom de Duailibi e Octavio Guedes na discussão desta quinta (14) é algo bem além daquele padrão porque eles se permitem concordar e discordar, sem obrigação de antagonismo.

O Grande Debate tem por premissa justamente a discordância, algo que nem sempre acontecerá entre dois analistas que pensam de modo muito distinto, mas que ali se veem forçados a exibir argumentos contrários.

Além disso, nem sempre O Grande Debate foi feliz em apartar ofensas cometidas por um dos lados, o que ocorreu mais no início de vida do canal, quando todos os profissionais ainda estavam experimentando de que forma aquelas performances se desenrolavam dentro dos limites da civilidade e da troca de ideias.

Mesmo assim, a iniciativa do novo canal se mostra extremamente saudável, ainda mais por termos passado tanto tempo sem conseguir tratar de diferenças diante das câmeras sem que o público trate aquilo como uma saia justa.

Nos anos pós-ditadura, e há vários programas capazes de denunciar essa temperatura, os debates eram mais acirrados, nem sempre civilizados. Tomemos como exemplo o Roda Viva, onde só os ídolos incontestes, como Ayrton Senna, eram tratados com afeto pelos entrevistadores. No mais, a regra era ser incisivo, até ríspido. Com o passar dos anos, isso se arrefeceu, sob a ideia de que aprendemos a ser mais civilizados na troca de ideias, o que acabou por se confundir com uma ausência absoluta de divergências no telejornalismo e programas de entrevistas.

Oxalá estejam encontrando um meio de debater na TV, sem parecer que divergir é brigar.

 

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Cristina Padiglione

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