Domingos Montagner não teve tempo de ser vilão
A televisão teve menos de dez anos para explorar o carisma e talento de Domingos Montagner.
Foi só em 2008, pela modesta e boa série ‘Mothern’, do GNT, que ele deu as caras na TV. Na Globo mesmo, apareceu em 2010, no seriado ‘Força Tarefa’.
Esta signatária notou Domingos pela primeira vez no adorável Circo Zanni, ainda nos idos de 2005/2006, como mestre de cerimônias de um picadeiro do qual é cofundador. O espetáculo, à época, foi-me indicado pela turma da Escola Jacarandá, onde Camila Guimarães, a mãe da Mabi, uma das amigas de minha filha, Emanuela de Godoy, era professora. Combinávamos de ir todos juntos, levando filhos à tiracolo, naquele espetáculo circense quase artesanal, se é que um circo poderia ser industrial (e pode, como sabemos), com banda tocando ao vivo e palhaço recebendo espectadores enquanto abocanhava as pipocas da freguesia. Nesse cenário, o mestre de cerimônias se fazia notar.
Ele foi protagonista em ‘Brado Retumbante’, minissérie de Euclydes Marinho. Brilhou na fábula faroeste caboclo ‘Cordel Encantado’, de Thelma Guedes e Duca Rachid, de quem fez ainda “Joia Rara”. Esteve em “Salve Jorge”, de Glória Perez, e foi o cobiçado Miguel, da bela “Sete Vidas”, de Lícia Manzo. À época, quando entrevistei Jayme Monjardim sobre a novela, ele, diretor-artístico do título, disse-me que ele e a autora aguardaram pela brecha na agenda do ator, para que fosse Domingos, e mais ninguém, o navegador que sustentava o argumento original da história, uma novela das seis, que dispensava vilão e fazia só dos conflitos dos personagens os males necessários para duelar com as boas intenções de cada um.
Entre “Sete Vidas” e “Velho Chico”, nos encontramos no lançamento de “Spinosa”, o detetive criado pela literatura de Garcia-Rosa, quando toda a equipe feminina do canal GNT entrou em furor pela presença do ator ali no Forte de Copacabana, no Rio. Eu costumava notá-lo como alguém que salvaria a lacuna deixada por José Mayer (de uma geração mais velha) na faixa etária do galã de 40/50 anos. Ou, sem entrar na desgraça que alguns atores enxergam no título de “galã”, do homem nessa idade que faria mulheres enlouquecerem. Mas, conhecido na tela de um dia para o outro, Domingos não acumulava rótulos. E nem teve tempo de se descobrir vilão em qualquer ficção, tamanha era a carência da produção audiovisual por alguém interessante e talentoso na sua idade.
Quando Santo desapareceu em “Velho Chico”, eu estava pronta para listar as ocasiões em que personagens da obra de Benedito Ruy Barbosa desapareciam no meio de um enredo, para voltarem após poucos capítulos, como seres vivos ou fantasminhas – vide Antonio Fagundes em “O Rei do Gado”, e Cláudio Marzo, em “Pantanal”.
Que pena que Domingos não teve a mesma sorte de seu personagem. Seria patético dizer que o Rio São Francisco, Velho Chico, disputou até o último segundo o papel de protagonista da trama de Benedito Ruy Barbosa com ele. Mas, com licença, vou ser patética. E, honrando a condição de “Velho Chico” como novela que fugiu da curva em todos os sentidos, para o bem do repertório da plateia, digo que essa fatalidade acabará por honrar a vocação da obra de Luiz Fernando Carvalho. Afinal, temos, por força do acaso infeliz, um herói em seu patamar de glória máxima: a do mártir, que morre por seu objeto de defesa, o São Francisco.