Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Dono de língua afiada, Rubens Ewald era um Google de cinema, muito antes do Google existir

Rubens Ewald Filho em seu figurino mais conhecido/Divulgação

Nascido em Santos, São Paulo, há 74 anos, Rubens Ewald Filho saiu de cena nesta quarta, 19 de junho, após mais de dois meses enfrentando problemas decorrentes de um infarto e uma queda.

Já foi dito aqui que Oscar sem Rubens Ewald não é Oscar, sem desmerecer as honras que Michel Arouca, responsável pela transmissão deste ano, teve em sua estreia como comentarista principal do evento na transmissão pelo canal TNT.

O que aqui se questionou na ocasião foi: por que o TNT não trabalhou com os dois, o veterano e o novato na função?

Em tese, o canal pago não teve coragem de dispensar Rubens Ewald do evento, mas tratou de deixar gravadas as suas participações na transmissão da festa do cinema, com comentários previamente conhecidos pela direção do canal.

Pena. Perdeu a chance de vê-lo ao vivo naquela que seria sua última apresentação da premiação.

Ao abrir mão do comentarista na transmissão, o TNT não mais correria o risco de despertar a ira de quem pudesse se ofender com eventuais pareceres dele, dono de uma língua afiada que sempre nos pareceu um diferencial interessante para a cobertura, ainda mais por se tratar de alguém que sempre foi um Google no assunto, muito antes de o Google existir.

Mas o rigor politicamente correto tinha outro tom na era pré-Google, e Rubens vinha daquele tempo, sem filtro e cheio de repertório, um perigo para os mais suscetíveis.

Naquele momento em que a cerimônia silencia diante do clipe que anuncia os profissionais da Sétima Arte que nos deixaram no último ano, o Rubens desfilava uma lista de nomes e ia apresentando um a um, ligeiro, sem perder a sobriedade que a cena  pede, descrevendo êxitos e obras de todos. Nunca ninguém fez a apresentação do obituário do Oscar como ele.

Em 2018, uma gritaria no Twitter mostrou indignação pelo fato de o crítico ter dito que Daniela Vega, estrela de “Uma Mulher Fantástica”, era, “na verdade, um rapaz”. Muitos viram o comentário como uma manifestação homofóbica, mas, objetivamente, Daniela era tida como rapaz quando nasceu, ou então não seria chamada como “trans” nem teria sido celebrada como a primeira transgênero numa festa do Oscar, confere?

Quando saiu do ar, naquela que é uma longa transmissão ao vivo em que é impossível acompanhar o blá-blá-blá do Twitter, o estrago já estava feito e ele mal teve fôlego para se defender.

O TNT, na ocasião, defendeu a própria pele, anunciando ser contrário a manifestações homofóbicas, e corroborou-se daí a ideia de que o crítico foi infeliz. Permito-me discordar.

Rubens Ewald não tinha filtro na língua, fosse com homens, mulheres, gays ou trans.

Referiu-se a Frances McDormand, ganhadora do Oscar de melhor atriz, como “uma senhora que não é bonita e deu um show de bebedeira no Globo de Ouro”.

Sobre o ator Aaron Taylor-Johnson, disse que se casou com a diretora Sam Taylor Johnson, 23 anos mais velha, apenas para ser bancado por ela.

De Mel Gibson, reparou: “não é uma boa pessoa”. E de Peter Dinklage, disse, “é anão, mas tem uma atuação excelente”.

Tirando esta última, em que há a restrição “mas” expressamente clara como preconceito, só se pode reconhecer que o seu conhecimento sobre bastidores e filmes nos brindava com informações sem filtro, mas o que poderia ser um bônus se transformou em uma sentença de condenação.

Profissional que trabalhou também como ator e escritor de novelas, Rubens sai de cena sem conhecer o novo remake de um grande sucesso seu: “Éramos Seis”, adaptação que ele e o dramaturgo Silvio de Abreu, chefão do núcleo de teledramaturgia da Globo, fizeram do livro de Maria José Dupré em 1977, para a Tupi, lindamente refeita pelo SBT em 1993 e que agora ganhará sua primeira releitura na Globo, com Glória Pires no papel da Dona Lola.

Uma vez, quando o entrevistei para uma matéria sobre o Senhor do Oscar no Estadão, pedi que nos contasse aquilo que todos os nossos familiares nos perguntam quando estamos em festas domésticas: quem é bacana e quem não é no mundinho das estrelas? (E, no caso dele, de Hollywood, universo a que muito poucos têm acesso frequente). Lembro-me de ele ter citado Arnold Schwarzenegger como alguém que mudava drasticamente, do simpático para o antipático, assim que a luz da câmera se desligava.

Abaixo, Rubens Ewald aparece à vontade em uma conversa com o amigo Paulo Gustavo, expert em séries e companheiro de algumas transmissões e coberturas de Globo de Ouro e outras premiações do audiovisual. Na conversa, falou, entre outros assuntos, sobre a miséria que se abateu sobre Kevin Spacey, acusado de cometer abusos sexuais, apostando que, como excelente ator que é, sairia desse buraco, mas fez questão de dizer que ele é “muito antipático”.

Rubens exibia uma leitura dos acontecimentos que já foi muito verdadeira e sincera num passado não muito distante. Não via problema em compreender e até perdoar os pecados alheios, mas nem por isso se mostrava insensível a novos comportamentos.

 

 

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