Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Entidades do audiovisual publicam carta aberta contestando secretário Mario Frias

Setor do audiovisual gera milhões de empregos diretos e indiretos / Divulgação

Diversos grupos que representam o audiovisual brasileiro assinaram uma carta aberta em protesto ao “Programa de Integridade da Ancine” lançado pelo secretário de cultura Mário Frias. O setor contesta a ilação de que falta transparência à Agência Nacional de Cinema, cujo site publica todas as informações sobre projetos aprovados, verbas liberadas e quais as leis de incentivo consideradas em cada montante avalizado.

As entidades afirmam que Frias persegue aqueles que deveria proteger, lembrando que essa é uma indústria capaz de gerar milhões de empregos, diretos e indiretos.

E cita que as produtoras pequenas, às quais Frias estaria supostamente favorecendo, são as maiores prejudicadas pela atual política cultural da Ancine. Produtores se queixam ainda do não protelamento de prazos para a entrega de produções que ficaram paradas em função da pandemia.

A carta lembra ainda que não é verdade que os investimentos no audiovisual subtraiam verba da saúde ou da educação, já que os recursos são gerados pelo Condecine, taxa paga pelas empresas de telecomunicação, justamente para alimentar o mercado da produção nacional.

Segue abaixo a íntegra da carta, que fala por si.

 

“PROGRAMA DE INTEGRIDADE DE QUEM ?

O Secretário de Cultura do Governo Federal, Mario Frias, anunciou nesta quinta-feira 10 o Programa de
Integridade da Ancine, cujos detalhes estão no site da Agência Nacional de Cinema. O subtítulo do
documento, “Ancine avança em medidas de transparência e gestão para prevenção de irregularidades”,
sugere não haver transparência e sim irregularidades que merecem ser identificadas e corrigidas.

Além dos valores captados, em fase de captação ou em fase de contratação, o site da Ancine divulga o
número de projetos de cada empresa do audiovisual e enumera o ranking de produtoras que mais
acessaram recursos, além do que chama de “passivo de prestações de contas”. Não se pode examinar
esses dados sem deixar de perceber uma tentativa de insinuação de que as empresas do audiovisual
seriam responsáveis por conluios para captar recursos. Fica subentendido ainda que elas teriam
deixado de entregar as obras e suas respectivas prestações de contas.

Os dados ali expostos deixam de informar, conforme seria imprescindível, que as prestações de contas
foram entregues. O que não aconteceu foi sua análise por parte da Ancine. Muitas delas, esperam há
mais de 15 anos a apreciação. Para que a sociedade tivesse clareza a respeito da lisura e da diligência
das empresas produtoras de audiovisual do Brasil, seria imprescindível que o site informasse as datas
de entrega das prestações de contas. Esse dado fundamental é, porém, omitido.

Por fim, o secretário Mario Frias afirma que irá “adotar um gerenciamento de risco” para “averiguar as
prestações de contas de empresas que concentram maiores recursos”. O que o ele também deixa de
informar é que os procedimentos para a contratação de todo e qualquer projeto se ativeram às regras
públicas de cada linha de financiamento. Ou seja, recai dessa forma uma suspeição inaceitável não
apenas sobre o setor privado, mas sobre o próprio corpo técnico da Ancine, o Comitê Gestor do Fundo
Setorial do Audiovisual (FSA) – composto, inclusive, por ministros do governo.

Não se pode deixar de reconhecer que tal medida não surpreende aqueles que, há dois anos, sofrem
ataques e calúnias da parte do governo federal. É, porém, preciso que esclareçamos para a opinião
pública os reais interesses por trás dessa tentativa de criar um clima acusatório que recai sobre todo o
setor audiovisual do país.

Não é verdade que os recursos do FSA sejam recursos orçamentários que desfalcariam aqueles
destinados à saúde, educação ou qualquer área essencial da economia de nosso país. Trata-se de
recursos oriundas da CONDECINE, uma taxa cobrada sobre as empresas do próprio setor:
distribuidores, canais de televisão aberta e paga, telecomunicações e outros. E que na passagem pelo
Tesouro, estes recursos sofrem contingenciamento de, no mínimo, 30%. Em outras palavras, quem
sustenta a economia do audiovisual é o próprio setor, que ainda contribui com parte do orçamento da
União.

Não é verdade que esses recursos sejam a fundo perdido. Trata-se de investimentos que têm retorno
ao próprio FSA, sócio da maioria dos projetos em que investe.
Não é verdade que esses recursos sejam “dados” às empresas. Também não é verdade que os recursos
disponíveis “ficam com os produtores”. Eles são concedidos para a produção de obras – filmes, séries,
programas de TV, etc. – previamente selecionados a partir de critérios públicos, contratar equipe,
elenco, pagar todas as despesas necessárias.

Em média, cada projeto gera pelo menos 100 empregos
diretos e 300 indiretos (hospedagem, transporte, alimentação entre outros), além do recolhimento de
impostos em toda sua cadeia de produção. E entregam à sociedade obras como filmes, series e outros
conteúdos audiovisuais. Muitos de enorme sucesso tanto no Brasil quanto no exterior. Nos últimos 5 anos, todos os importantes Festivais internacionais tiveram filmes brasileiros entre seus laureados.

Diversos canais de TV paga e plataformas de streaming têm, entre seus maiores sucessos, produções
brasileiras.

E não é verdade que a não análise das mais de 3 mil prestações de contas em aberto, que forma o
passivo da Ancine, sejam de responsabilidade dos produtores. Ao contrário: empresas mantêm por
mais de 15 anos documentos arquivados à espera que a Ancine inicie ou finalize suas análises de
prestações de contas. Somos reféns de um sistema perverso que inverte as responsabilidades do setor
público e privado. São mais de 3 bilhões de reais à espera de análise e não se pode aceitar que se tente
macular um setor de importância indiscutível por mero desejo de criminalizar a cultura brasileira.

Em sua fala, o Secretário Especial afirma que existem mais de 2 mil projetos em andamento com
recursos da ordem de 2 bilhões de reais nas mãos dos produtores. Outra grave desinformação. Parece
que os produtores estão com esta fortuna em suas mãos. A maior parte destes recursos ou já foi
investida ou está em vias de ser. Como todos sabem, as produções, ao longo do ano de 2020, pararam
pelas necessárias medidas de isolamento no combate à Covid-19. Poucas produções puderam avançar,
apesar do esforço do setor em desenvolver protocolos de segurança, por conta dos altos custos.

Mesmo em meio ao cenário pandêmico, encontramos dificuldades para conseguir que a Ancine
prorrogue os prazos de conclusão das obras. Sim, a agência reluta em aceitar a evidência de nossa
impossibilidade de abrir os sets de filmagem em plena pandemia.

E por fim, faltou dizer no pronunciamento que a atual gestão nada fez para reunir o Comitê Gestor dos
recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, e que por isso não há novos editais públicos de recursos do
setor desde 2018, ou mesmo um planejamento claro para recursos existentes de 2019, 2020 e 2021.

Que a Ancine deixou de contratar, mesmo com recursos em caixa, cerca de 700 projetos já aprovados e
selecionados em editais públicos anteriores a dezembro de 2018. Que essa política de não repassar
recursos ao setor está quebrando as empresas Brasil afora, inclusive e principalmente aquelas fora-do -eixo, que supostamente o Secretario estaria defendendo em suas palavras.

Todos os países relevantes do mundo têm uma produção audiovisual que reafirma seus valores de
identidade cultural através de obras nacionais que viajam mundo afora. Vejam o quanto a Coréia do Sul
beneficiou-se da vitória no Oscar 2020 com o filme Parasita. Dezenas de séries e filmes sul-coreanos
ocupam as plataformas digitais com destaque, tornando o país mais conhecido, valorizando seus
produtos e turismo.

É lamentável que a autoridade responsável pela defesa da cultura do Brasil tenha uma atitude tão
equivocada e que vai contra os interesses do país. Pior ainda, neste momento, em que todos ainda
estão sob os efeitos danosos do isolamento social e da interrupção de atividades.

Assim sendo, as entidades, sindicatos e associações abaixo, vêm pela presente tornar público esses
esclarecimentos e exigir que o chamado Programa de Integridade de Ancine inclua nas suas
informações as datas de recebimento das prestações de contas entregues pelas empresas produtoras.

Dessa forma, talvez fique claro quem necessita de um Programa de Integridade com ética e rigor.

Reiteramos que toda a transparência de informações governamentais é não apenas louvável, mas é uma
obrigação legal e moral de qualquer servidor público, em cargo eletivo ou não. Por exemplo, o Sr.
Secretário poderia começar explicando por que a Ancine, mesmo se comprometendo publicamente a
divulgar mensalmente a lista atualizada dos projetos em fase de análise complementar, não mantém
procedimento efetivo de publicização de tais informações ao público.
Ou poderia ainda elucidar por que os prazos determinados no regulamento para contratação de projetos
do FSA não estão sendo cumpridos.

São inúmeras as informações mínimas que a Ancine deveria manter atualizadas e publicadas para que a
sociedade pudesse verificar o andamento regular dos processos sob responsabilidade da agência. A
Ancine precisa se ater à sua missão de fomentar e viabilizar a produção audiovisual brasileira ao invés de
se dedicar a perseguir aqueles a quem deveria defender.

Assinam:

+Mulheres – Lideranças Femininas do Audiovisual Brasileiro
ABC – Associação Brasileira de Cinematografia
ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas
ABRACI / RJ– Associação Brasileira de Cineastas Do Rio De Janeiro
ABRANIMA – Associação Brasileira das Empresas de Animação
APACI – Associação Paulista de Cineastas
ANDAI – Associação Nacional de Distribuidoras Audiovisuais Independentes
APAN – Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro
API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro
Associação Brasileira de Críticos de Cinema
BRAVI – Brasil Audiovisual Independente
Cinemateca Catarinense ABD/SC – Associação Cultural Cinemateca Catarinense
Colegiado Setorial do Audiovisual do RG do Sul
Coletivo FilmaRio
CONNE – Conexão Audiovisual Centro Oeste, Norte e Nordeste
EDT – Associação de Profissionais de Edição Audiovisual
Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema
FAMES – Fórum Audiovisual Minas Gerais, Espírito Santo e estados do Sul_ Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul
FORCINE – Fórum Brasileiro de Cinema e Audiovisual
Fórum dos Festivais
Fórum de Festivais E Mostras Brasileiras No Exterior
Fórum Nacional dos Pareceristas da Cultura
Frente Dos Produtores
Manifesta Feminista
Mulheres Do Audiovisual Brasil
SANTACINE – Sindicato da Indústria do Audiovisual de Santa Catarina
SIAESP – Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo
SICAV – Sindicado Interestadual da Indústria Audiovisual
SINDICINE – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual dos Estados de
São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Distrito Federal.
SINDAV-MG – Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais
SINAES – Sindicato da Indústria Audiovisual do Espírito Santo
SINTRACINE – Sindicato dos Trabalhadores do Cinema e do Audiovisual de Santa Catarina
STIC – Sindicato Interestadual dos Trabalhadores do Audiovisual
WIFT Brasil – Women in Film & Television”

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Cristina Padiglione

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