Veto à publicidade infantil renderia R$ 1 bilhão por ano à economia, informa ‘The Economist’
Embora muita gente aponte o dedo para o imediato prejuízo publicitário causado pelo veto absoluto a propagandas voltadas a crianças, um dossiê da Unidade de Inteligência (EIU, da sigla em inglês) da revista inglesa The Economist, encomendado pelo Instituto Alana e divulgado hoje, mostra que as benesses, a médio prazo, superam as perdas em todos os aspectos. A conta que permite tal conclusão leva em consideração as perdas com investimentos publicitários e a queda no consumo de alimentos industrializados, com cifras que mensuram o custo-benefício disso para saúde púbica e bem-estar social.
Quantos bilhões deixam de ser injetados na economia por causa dos vetos à publicidade para crianças? Mas quantos bilhões o estado deixa de gastar com a redução da obesidade infantil e de suas consequências para a vida adulta de uma população? São essas contas, mensuradas na ponta do lápis, que estão em jogo.
Na comparação entre dois cenários (1- com publicidade infantil totalmente banida; e 2- com publicidade infantil redirecionada a adultos), o impacto da ausência total do investimento publicitário na economia é de R$ 171,3 bilhões, ante R$ 44,2 bilhões para o cenário 2. Os benefícios calculados pelo impacto do cenário 1, no entanto, superam em mais de R$ 100 bi os do cenário 2 (248,2 bi X 105,43 bi), o que resulta em um custo-benefício de R$ 76,87 bilhões para o cenário em que o veto à publicidade infantil é absoluto, ante R$ 61,2 bilhões da publicidade redirecionada.
Assim, os benefícios pelo veto total à publicidade dirigida a crianças, que em um curto prazo pode parecer uma tragédia financeira, logo é capaz de mostrar, segundo o estudo da Economist, que sua vantagem sobre o outro cenário vale R$ 15.664 bilhões. Esses dados referem-se a uma projeção para os próximos 15 anos, o que nos permite dizer que banir absolutamente a propaganda para crianças é uma ação que se reverteria em R$ 1 bilhão para a economia por ano, no Brasil.
“Após os cálculos dos dois cenários, descobrimos que a proibição da publicidade dirigida às crianças (até 12 anos) é uma estratégia com excelente relação custo-benefício em termos de obtenção de mais anos de vida saudável para a população brasileira”, diz um trecho do estudo, que foi apresentado na manhã desta sexta, com direito a debate no Insper (Instituição de Ensino Superior em Negócios, Economia, Direito e Engenharia), com as participações de Milton Seligman (engenheiro, professor do Insper, que foi ministro da Justiça de FHC e diretor de Relações Corporativas e Comunicação da Ambev), Vanessa Nadalin, economista do IPEA, Isabella Henriques, Diretora de Advocacy do Alana, e Romina Bandura, consultora do EIU, que apresentou todos os dados antes do debate, mediado pelo editor-executivo da Folha de S.Paulo, Sérgio Dávila.
Seligman citou o Conar, que autorregula os excessos na publicidade, como um órgão que funciona e consegue suspender comerciais de um dia para o outro. Acredita ele que nenhum anunciante ou agência tem interesse em correr esse risco – de tomar prejuízo com um filme que pode sair do ar. Daí os cuidados que a própria autorregulação pode gerar, talvez, sugere Seligman, sem necessidade de uma regulamentação criada por meio de lei. Um merchandising apontado na novela infantil do SBT Carrossel, em 2013, foi citado como exemplo da eficiência do Conar, que retirou as cenas da novela imediatamente, “e o SBT nem precisou ser multado” Na verdade, o SBT foi multado pela ação, em 2015, em decisão da 5ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, a pagar uma multa no valor de R$ 700.000,00, da qual o SBT recorreu.
No cenário atual, a publicidade inserida em intervalos de programação infantil, nos canais pagos do segmento e no que restou do gênero na TV aberta, não pode se dirigir à criança. Aquele negócio do “peça para sua mãe” ou “peça para o seu pai” acabou, sob risco de punição com multa. Também é terminantemente proibido lidar com a imagem do bullying de consumo, dando a ideia de que quem não tiver a boneca xis ou o carrinho ipsilon será excluído da turma. Mas os canais infantis, em especial, estão abarrotados de publicidade, e se não falam diretamente à criança, tentam envolvê-la na sedução do recado dado aos pais. A restrição também tem alimentado a diversidade de produtos anunciados, incluindo itens de consumo adulto, como marcas de limpeza e serviços bancários.
Isabella Henriques, da Alana, instituição que zela pelas normas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) lembra que muitas vezes, na própria internet, ainda sem regulamentação alguma, até crianças têm se tornado youtubers, o que já resvala em outra questão (a do trabalho infantil) e “de repente elas aparecem mostrando um brinde que ganharam de determinada marca, o que equivale a uma publicidade disfarçada”. “A criança que está assistindo nem se dá conta de que aquilo é um comercial”, completa.
O canal Zoo Moo, distribuído pela Sky, para crianças em idade pré-escolar, que consegue se sustentar sem publicidade infantil, foi citado no estudo como exemplo de um negócio que funciona e rende frutos.
O estudo lista exemplos de vários países que endossam a tese de que a suspensão da publicidade infantil traz mais benefícios do que perdas. Veja que interessante o caso do Canadá: em 1980, o governo regional da província de Quebec promulgou uma legislação que proibia anúncios de brinquedos e fast-food dirigidos às crianças menores de 13 anos na televisão, rádio e mídia impressa. Mais especificamente, os programas de televisão com público formado por pelo menos 15% de crianças estavam proibidos de transmitir publicidade dirigida às crianças. Em 2009, um estudo de Dhãr e Bayllis usou dados de uma pesquisa canadense sobre as despesas com alimentação (de 1984 a 1992) para mensurar a proibição da publicidade em Quebec. E o que se constatou? A proibição teve um impacto diferente sobre os lares anglófonos e francófonos: as famílias de língua inglesa em Quebec tinham acesso a mídias alternativas de outras províncias canadenses, enquanto as famílias francófonas não o tinham. O impacto da proibição foi maior sobre as crianças francófonas. Os autores encontraram evidências de que a proibição reduziu consideravelmente a probabilidade do consumo de fast-food em 12,3% no caso das famílias francófonas com crianças e em 9,3% no caso das famílias francófonas sem crianças. Já no caso das famílias anglófonas, o efeito da proibição foi estimado em uma redução de 7.1%, mas não atingiu níveis tradicionais de significância estatística.
Em linhas gerais, o estudo prevê que o banimento da publicidade infantil também gera impactos positivos para o meio ambiente, dada a redução de lixo proveniente de fast-food. Isabella acredita ainda que a prática há de criar crianças menos consumistas e mais conscientes em suas práticas de desejos e compras, com a vantagem de assegurar uma saúde melhor e evitar desperdícios. Para as empresas, esse tipo de consumidor, pronto para fidelizar as marcas que lhe convêm dentro desse contexto, também propiciaria a valorização de seus produtos, já que só ficariam em cena aqueles que tiverem condições de se adequar a um mundo que sabe cuidar melhor de si.
Tomara.
Abaixo, uma lista do Alana explica por que a autorrregulação, no caso do Brasil, ainda não é suficiente.