‘Fera Radical’ está na linha sucessória do Canal Viva
É certo entre as redes sociais de noveleiros e afins, mas não cravado oficialmente pelo Canal Viva, que “Fera Radical”, novela de Walther Negrão, de 1988, e “Pátria Minha”, de Gilberto Braga, exibida em 1994, substituam, respectivamente, “Torre de Babel” e “Pai Herói”, atualmente no ar.
Na faixa de “A Gata Comeu”, a vaga será entregue a “Tieta”, de Aguinaldo Silva, com base na obra de Jorge Amado, de 1989.
Enquanto Perpétua (Joana Fomm) e Tieta (Betty Faria) não se apresentam, o público do Viva aposta suas fichas na trama de Negrão e em mais uma de Gilberto, um dos campeões de revivals do canal – “Vale Tudo”, “Água Viva”, “Dancin’Days” e “O Dono do Mundo” já passaram por ali, e “Celebridade” é outro título cotado em uma lista de mais pedidas.
Escrita também por Ricardo Linhaes e Luís Carlof Fusco, “Fera Radical”, exibida originalmente na faixa das 18h, foi protagonizada por Malu Mader e José Mayer, contando ainda com Paulo Goulart, Thales Pan Chacon, Cláudia Abreu, Elias Gleizer, Denise Del Vecchio, Laura Cardoso e Yara Amaral, entre outros. O argumento da trama, uma vingança arquitetada pela mocinha (Malu), que quando pequena assistiu à destruição de sua casa e toda a família, foi inspirado na peça A Visita da Velha Senhora (Der Besuch der alten Dame, do suíço Friedrich Dürrenmatt, que já havia originado outra novela de Negrão, “Cavalo de Aço”, exibida pela Globo em 1973.
Já “Pátria Minha” marcou época não pela novela, em si, mas por seus bastidores. Embora a história seja boa e os diálogos, à altura de Gilberto Braga, deliciosos, afiados e dispostos a fazer o espectador pensar, foi durante essa produção que o casamento de Felipe Camargo e Vera Fischer atingiu o ápice de sua crise, a ponto de comprometer o profissionalismo dos dois. A direção da Globo resolveu então que ambos deveriam deixar a produção e apenas comunicou o fato ao autor. Para resolver a questão, Gilberto e sua equipe tiveram de incendiar um dos cenários da história e matar o casal, mudando os rumos da trama. Mais de 20 capítulos foram reformados.
A saída de Vera, intérprete da arrogante Lídia Laport, uma das tantas socialites falidas que Gilberto já criou em suas obras (adoro essa personagem), prejudicou a trama. Era ela que fazia par com Pellegrini, o malvado. Para ocupar o posto da loira, o autor recorreu à simplória Cilene, papel de Isadora Ribeiro, o que levava Raul a descobrir como vivem “os pobres”, ou “gente que não tem onde cair morta”, como dizia.
Da trama, o grande ponto alto, ou aquilo que ficou para a história, foi a discussão sobre racismo, explicitada pelo vilão, Raul Pellegrini, personagem de Tarcísio Meira. Pena que boa parte da militância negra não tenha compreendido que a situação criada pela novela, na voz de um sujeito sórdido, arrogante e corrupto, era um protesto ao racismo, um meio de levantar a bandeira contra o preconceito, e jamais o contrário disso. Raul acusava um empregado seu de tê-lo roubado, sem prova alguma, chamando-o de “negro safado”. Disse-lhe ainda que de nada adiantaria estudar porque a cabeça dos negros funciona de modo diferente da cabeça dos brancos.
Gilberto foi alvo de protestos, acusado de racismo, e teve de explicar que sua ação exprimia justamente o oposto, o que deveria estar claro pelo caráter (ou falta de) do personagem que levantava a equivocada bandeira das diferenças.
Aqui, um link da cena que causou controvérsia, heroico ato na batalha contra o racismo no Brasil.
A novela abordou ainda traição, virgindade e direito à moradia. Uma forte sequência de desocupação de terreno resultou nas mortes dos personagens de Patrícia Pillar e Kadu Moliterno.
E o que “Fera Radical” e “Pátria Minha” têm em comum com “A Lei do Amor”, a nada empolgante novela das 9 atualmente no ar pela Globo? Todas têm Cláudia Abreu e José Mayer em cena. Já é alguma coisa.