‘Filhos da Pátria’ tem êxito ao satirizar o diagnóstico do ‘jeitinho brasileiro’ em suas raízes
Afinal, o que faz o “jeitinho brasileiro”, no pior sentido do termo, ter o alcance que tem no DNA da nossa história? “Filhos da Pátria”, nova série de comédia da Globo, ocupa-se disso, sem pretensão de ditar regras. Ao contrário: é um convite a quem sabe rir de si. De Bruno Mazzeo, com cocriação de Alexandre Machado, o enredo consegue apontar atos e figuras de profunda identidade com sua plateia, por meio de uma família que vive no recém “libertado” Brasil. Quando a história começa, D. Pedro acabou de proclamar a Independência do país de Portugal, e o funcionário público Geraldo Bulhosa (Alexandre Nero) sofre com a possibilidade de ver sua função extinta. Afinal, ele é o responsável pela correspondência entre Portugal e Brasil, e não havendo mais laços entre os dois países, o que será de seu emprego?
Geraldo é figura honesta, mas é tentado pelos colegas de repartição (como o corruto e corruptível Pacheco, papel de Matheus Nachtergaele) a distribuir carimbos com títulos de nobreza para tantos quantos forem os interessados em obter tal condição.
Em casa, a mulher, Maria Teresa (Fernanda Torres), humilha o marido honesto, que só não conseguiu um título de nobreza para si próprio porque não quis.
Dono de um dos projetos de reforma do Paço Imperial, Pacheco também aponta como é antigo esse negócio de fraudar concorrência de obra pública, ao pedir que Bulhosa “perca” a carta de apresentação do projeto de seu adversário.
Na singela interpretação de Nero, Bulhosa salta aos olhos dos colegas e da mulher (provavelmente com endosso do espectador) como o típico “banana”.
O filho do casal, Geraldinho (Johnny Massaro), revela-se de cara um vagabundo para os estudos (“por que estudar português se agora somos livres de Portugal?”, ele questiona) e um adepto do brasileiro disposto a tirar vantagem de tudo e de todos, gozando da mais profunda ignorância.
Os Bulhosas têm dois escravos: Domingos (Sérgio Loroza) e Lucélia (Jéssica Ellen), divertida homenagem à nossa escrava mais famosa (injustamente), a branca Escrava Isaura, vivida por Lucélia Santos na adaptação original da obra de Bernardo Guimarães para a TV.
Não há sotaques nem trejeitos de época. Todo o contexto imperial se aplica àquele dia a dia como se fosse hoje. O espectador não demora a encontrar o episódio em que Geraldinho, que se acha um revolucionário, repete uma frase muito difundida à época do pré-impeachment de Dilma Rousseff, quando a série começou a ser escrita, trocando apenas o nome “Dilma” por “Pedro”: “Primeiro a gente tira o Pedro, depois a gente vê o que faz”.
Temos aí um grande espelho da situação atual, e até caberia aqui um “infelizmente”, mas não me atrevo a tanto: se há alguma coisa que se salva na nossa situação atual é saber rir de si. “Filhos da Pátria” nos dá essa chance, com graça e inteligência. E quem sabe os alpinistas e aproveitadores como Maria Teresa, Geraldinho e Pacheco possam se acanhar diante de seus atos, ao verem o ridículo que lhes cabe, lindamente retratado na tela? Tomara.
A direção é de Maurício Farias, crédito de excelência presente em programas como “A Grande Família”, Tapas & Beijos” e “Tá no Ar”, só para começar.
A série só chega à TV em setembro, bem na esteira da comemoração da espada erguida por D. Pedro às margens do Ipiranga, lá em 1822. Mas assinantes da Globo Play, não necessariamente mais patriotas que os não assinantes, podem assistir aos 12 episódios quando quiserem: estão todos disponíveis na plataforma de streaming da Globo, em mais uma ação de antecipação de conteúdo a quem paga para ver.
Cotação: Excelente.