Fonte de talento, carisma e acidez, Clodovil é redescoberto no palco por Eduardo Martini
Clodovil está novamente em cena, revisitado por Eduardo Martini no palco (sim, presencial) do Teatro União Cultural, com plateia (presencial, sim) reorganizada com distanciamento. E não é que a bilheteria de “Simplesmente Clô” tem comparecido com louvor?
A trajetória de Clodovil (1937-2009) renderia algumas peças de teatro, versões em filme, série e livro. Não são poucos os atores e diretores que já manifestaram a vontade de eternizar o polêmico estilista que se despia de sua vaidade, assim podemos dizer, para desenhar modelos muito acessíveis a donas de casa em busca de suas preciosas dicas.
Isso foi lá pelos anos 1980, no revolucionário TV Mulher, mas se tem alguém que não se acanhava em mudar de comportamento de um segundo para o outro, por mais paradoxal que isso possa ser para alguém conservador como ele, lá estava Clodovil.
Por uma série de razões, no entanto, ninguém mexeu muito com a memória de Clô, de modo que Martini, com texto de Bruno Cavalcanti, resolveram colocar o bloco na rua, digo, no palco, em “Simplesmente Clô”, monólogo que está em cartaz no Teatro União Cultural, em São Paulo, com direção do próprio Martini e Viviane Alfano.
Há tempos que eles vêm ensaiando essa ideia, que ganhou corpo durante o ócio trazido pela pandemia. Cavalcanti rascunhou o script em quatro dias, e os dois puseram-se a conversar sobre o script e a montagem, incluindo cenários e figurinos, um item primordial em se tratando de tal personagem.
“Ele teve dinheiro até não poder mais, teve tudo, perdeu tudo, recuperou, perdeu de novo”, lembra Martini em entrevista ao TelePadi. “E detestava a ignorância”.
Em 1988, Clodovil foi repreendido pelo deputado Ulysses Guimarães (1916-1992) por chamar a “Constituinte” de “Prostituinte” em seu programa ela Rede Manchete. O dono da casa, Adolpho Bloch, entregou sua cabeça. Em 2006, o próprio Clodovil faria parte do Congresso que anos antes xingara, como deputado federal pelo PDC (Partido Democrata Cristão), sendo o primeiro gay (assumido, claro) a ocupar uma vga na Câmara Federal.
Não era de militância de gêneros, mas fazia questão de se impor a seu modo, sempre primando pela elegância do figurino.
“Sempre fiquei com essa ideia de peça sobre ele na cabeça, mas hoje acho que foi bom ter feito só agora. Há dez anos eu não teria maturidade cênica para fazer o que eu estou fazendo hoje. O Bruno me mandou o texto em quatro dias, depois que conversamos, e a gente foi lendo, comecei a estudar com o Clodovil muito mais intuitivamente daquilo que eu já tinha conhecia tendo convivido com ele”, diz Martini.
O ator e diretor esteve com Clô em algumas ocasiões pontuais durante os vários programas que o estilista comandou em diversos canais de TV. Desde a Manchete, onde desenvolveu seu talk show, tornou conhecido o bordão “Olha praquela lente da verdade e me diz…” , emendando uma pergunta capciosa a seguir.
Pelo sim pelo não, os 120 lugares do teatro estão ocupados com antecedência até a semana do Natal, quando a peça entra em recesso, para voltar no dia 7 de janeiro.
Martini assegura que se trata antes de mais nada de uma homenagem ao personagem, longe de tripudiar sobre os seus defeitos, que eram muitos, mas não mais relevantes em termos de legado, tanto no ramo da costura como na seara da comunicação, onde trafegava com um carisma inegável.
Podia-se amá-lo ou odiá-lo, mas ninguém passava indiferente ao sujeito que enaltecia sempre o seu amor pela mãe, não a biológica, que se desfez dele ainda bebê, mas a adotiva, “única mulher que amei na minha vida”, gostava de dizer.
“As pessoas saem emocionadas, não tem um julgamento sobre o que ele fez ou deixou de fazer, mas ele mesmo faz um mea-culpa de ações só o prejudicaram. Ele usava o pontapé por causa da fragilidade que tinha.”
Martini chegou a negociar com o instituto Clodovil Hernandes a doação de três vestidos originais criados pelo estilista, mas o negócio não foi adiante e ele resolveu a questão com três réplicas de tecido barato, porém de imagem cenográfica perfeitamente à altura dos modelos originais. Em off-white, quase todo branco, o cenário destaca a figura representada por Martini, com poucos objetos em cena, todos levados da casa do próprio ator.
Trabalhar com restrições na pandemia é isso. Martini também driblou o abandono de patrocinadores que não se animaram em bancar uma produção em plena pandemia e agora perdem uma plateia que tem confiado nos protocolos de segurança do teatro.
Acima de todas as contrariedades, o espetáculo vem se pagando com alguma folga.
“Eu sou esse novo modelo da pandemia: comecei do nada e a coisa tomou um vulto gigantesco, tem sido muito muito prazeroso. O texto do Bruno é muito bom”, assegura.
Martini tem feito uma oração ao vivo pelo Facebook todos os dias, desde o início da pandemia, ao meio-dia. “Não é prece decorada, mas é algo que desperta nosso deus interior, reconhece nossos erros e isso me equilibrou muito pra poder passar por essa história.” Muita gente o acompanha nessa jornada, com o mesmo efeito.
É prazeroso notar como ao ser questionado sobre as ações de seu biografado, ele vai respondendo a tudo com trechos do monólogo já impregnados na memória.
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Simplesmente Clô
Teatro União Cultural, até 20 de dezembro, com breve recesso até 7 de janeiro, quando retorna ao palco.
Endereço: Rua Mario Amaral, 209
Preço: R$ 70
Tel.: (11) 3885-2242.
Sábado, às 21h, e domingo, às 19h