Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Globo dá banho na CNN Brasil no tocante à prática do jornalismo

Bolsonaro em entrevista ao vivo na CNN Brasil, neste domingo: no auge das mobilizações contra o coronavírus,presidente chama momento como "histeria"/Reprodução

No dia da estreia da CNN Brasil, que dedicou boa parte de sua primeira hora de transmissão  a uma autocelebração por sua chegada, foi a Globo que fez jornalismo.

Quando a autoridade máxima da nação desdenha de todos os alertas dados por seu ministro da Saúde e mesmo da Organização Mundial da Saúde, é preciso mais que um microfone a ouvi-lo passivamente. É preciso um mínimo de contestação ao que ele diz. Ouvido pela CNN Brasil em link ao vivo diretamente da frente de sua residência, em Brasília, na noite deste domingo (15), Jair Bolsonaro atribuiu a “interesses econômicos” o que chama de “histeria” em relação às medidas restritivas adotadas em função da multiplicação do coronavírus, a começar pela necessidade de se evitar aglomerações.

Neste domingo (15), após usar horário nas redes de TV durante a semana para um pronunciamento em que pediu o cancelamento das manifestações a seu favor em função do coronavírus, Bolsonaro corroborou mais de 20 postagens no Twitter, incentivando o ato, como mostrou o “Fantástico”, da Globo, e saiu às ruas, apertando a mão de seus seguidores como se não tivesse participado de uma reunião onde pelo menos sete pessoas testaram positivo para o vírus.

O repórter da CNN, Leandro Magalhães, até tentou chamar a atenção para o fato, mas Bolsonaro, como se estivesse no papel contrário, disse que não teme o povo. É difícil contestar uma autoridade sem noção na sua primeira entrada ao vivo em um novo emprego, mas por que Reinaldo Gottino e Monalisa Perrone, no estúdio, não enfatizaram o fato de o mundo inteiro estar adotando medidas similares às do Brasil, o que derruba as teorias de conspiração do presidente?

Em vez disso, a dupla fez sutil menção a tanto, mencionou lá que houve aperto de mão com populares e passou longe de informar que Bolsonaro erra ao ver “histeria” nas medidas adotadas, desautoriza seu ministro da saúde e contraria ações mundiais com seus atos e declarações. Ao contrário do que se esperava sobre a desobediência de Bolsonaro, o site do canal resumiu a chamada da entrevista, poucos minutos depois, a uma frase em que ele se coloca como alguém mais próximo do povo do que Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, ao dizer que gostaria que eles fossem para a rua, como ele.

Leandro Magalhães ainda estava no assunto do dia, que envolveu manifestações e coronavírus, quando bruscamente interrompeu o tema quente para perguntar sobre a economia. Aparentou estar seguindo orientações pelo ponto eletrônico, e até encontrou uma resposta boa, pois foi então que o presidente atribuiu a “interesses econômicos” o que chama de “histeria”.

Ainda que em outro momento do noticiário o ministro da Saúde, Luiz Mandeta, tenha falado que ninguém, nem o presidente, deveria se envolver em aglomerações, a reação foi ínfima perto do descalabro do chefe.

Vai ser difícil acreditar em jornalismo isento, como prometeu a CNN Brasil, se a coisa continuar condescendente com alguém que nada contra a maré do bem coletivo.

Enquanto isso, na Globo, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara Federal e do Senado, respectivamente, ambos citados por Bolsonaro na entrevista de poucos minutos antes na CNN Brasil, criticaram a presença do presidente nas manifestações. Maia pediu claramente que “o piloto do avião assuma sua cadeira” e conduza o país pelos rumos esperados. É certamente sua declaração mais contendente desde que vem sendo atiçado pela ala bolsonarista.

Como ambos eram parte da motivação dos manifestantes, que contestam as contrariedades do Senado e do Congresso aos projetos e desejos do presidente, era de se esperar que, em um dia como o de hoje, eles tivessem sido procurados para comentar a presença de Bolsonaro nas manifestações, desobedecendo a todas as orientações mundiais. Não foi o que se viu na CNN Brasil. Ambos deram entrevistas ao canal no meio da semana, àquela altura ainda não exibidas, sobre diversos assuntos, mas teriam de opinar sobre os fatos do dia no dia dos fatos, afinal.

A Globo procurou Alcolumbre, Maia e Bolsonaro, informando que o presidente não atendeu aos pedidos da emissora para ser ouvido.

O Fantástico mostrou que os cuidados com o coronavírus vão bem além dos interesses econômicos, contrastou de modo claro a inconveniência de Bolsonaro apertar quaisquer mãos neste momento, não por ele, vale repetir, que está sob suspeita de ter contraído o vírus, mas por seus interlocutores. E buscou informações extras sobre o assunto que vem afligindo o mundo.

Faltou jornalismo em uma jornada que ofereceu fartos elementos para tanto. Para um canal que vinha alimentando as expectativas do presidente de ser “diferente” da Globo, a quem ele trata como “inimiga”, sim, foi bem diferente, mas com larga desvantagem no “tocante” às críticas necessárias.

Em tempo: adoraria escrever que os dois canais concorreram brilhantemente pela melhor cobertura do dia, mas, infelizmente, isso não se consumou. Ainda tenho esperanças.

A CNN Brasil dispõe de um time de grandes profissionais, alguns deles brilhantes, e  não é simples enfrentar toda a estrutura que há 50 anos vem sendo maturada pela Globo, com seus tropeços, sim, mas com larga competência.

Da nova CNN Brasil, poderíamos citar aqui as ótimas entrevistas de William Waack aos poderosos de Brasília, os precisos comentários de Lourival Sant’Anna durante o debate entre Joe Biden e Bernie Sanders, transmitido ao vivo, o coloquialismo de Reinaldo Gottino, alguém que faz a gente se sentir em casa, e a contundente entrevista de Monalisa Perrone com Ricardo Teixeira.

Vejamos: se a Record News, canal que o atual chefão da CNN Brasil, Douglas Tavolaro, já comandou, como vice-presidente de Jornalismo da Record, fosse um décimo deste novo canal, estaríamos aqui soltando rojões pela Record News.

Mas como os parâmetros aqui são outros, com referências do jornalismo mundial, vamos trabalhar com um contexto que vem gerando altas expectativas.

 

P.S. 1: Achei por bem complementar o texto pouco depois de sua publicação, enfatizando que a comparação estampada no título se refere precisamente sobre os fatos do dia, um dia tão fora do comum).

P.S. 2: Na manhã desta segunda-feira (16), recebi um pedido de direito de resposta da CNN Brasil, que publico a seguir e em post independente:

“A CNN contesta o artigo de Cristina Padiglione publicado na coluna Telepadi.

Em sua estreia para o Brasil, na noite deste domingo, a CNN produziu uma abordagem política com amplo contraponto e diversos ângulos realizado por sua equipe de âncoras, analistas e repórteres, durante transmissão de três horas e meia do CNN No Ar e em toda sua programação multiplataforma.

A CNN exibiu reportagem sobre as manifestações de rua destacando as críticas dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, ao ato do presidente Jair Bolsonaro de cumprimentar os manifestantes sem os cuidados de prevenção ao coronavírus.

Às 20h54, o presidente da República procurou nosso repórter, que estava em link na porta do Palácio do Alvorada, para responder as entrevistas de Alcolumbre e Maia, que entraram em nossas plataformas digitais às 18h00 e foram exibidas na TV. Ouvir os dois lados e dar direito de resposta são princípios básicos do bom jornalismo e fazem parte do manual de práticas da CNN em todo mundo.

Nessa entrevista ao vivo, então, nosso repórter questionou o presidente sobre essa postura em 3 minutos de conversa e ele apresentou sua defesa. Momentos depois, a CNN exibiu entrevista com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, condenando a atitude do presidente Bolsonaro. Todos os ângulos sobre o tema foram colocados para o telespectador.

Sobre a crise entre os Poderes e a debate sobre as regras do orçamento, o âncora da CNN, William Waack, ouviu Alcolumbre e Maia durante 16 minutos com críticas a postura do presidente Bolsonaro e representantes do Executivo. O presidente, por sua vez, falou ao vivo para a CNN outros 7 minutos se defendendo de tais colocações. O ministro Paulo Guedes ainda concedeu entrevista de 8 minutos a Waack também colocando o seu ponto de vista.

A CNN acredita que assim se faz um jornalismo profissional, equilibrado e respeitoso que contribui para informar melhor os brasileiros.”

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Cristina Padiglione

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