Globo exibe 1º trailer de ‘Pantanal’ com mesma trilha original: você já viu isso antes
Não, caro leitor, na noite desta terça-feira (22), você não estava diante de uma reprise remasterizada de “Pantanal”, a novela da TV Manchete que abocanhou uma generosa fatia de audiência da Globo há 32 anos. A trilha era a mesma, o cenário é o mesmo, as silhuetas de peões barbados com a boca no berrante, idem, e até uma cena de seminudez atiçou nossa memória afetiva para as lembranças da versão original.
Sim, você que tem mais de 35 anos já viu aquilo antes. E quem tem menos também pode ter experimentado uma sensação de dejà vu por ter esbarrado na reprise que o SBT promoveu em 2008, numa manobra até hoje mal explicada para o pessoal da massa falida da TV Manchete.
Os versos sobre a “gente que canta, que fala a língua das plantas, dos bichos” exibem outras panorâmicas do Pantanal matogrossense. Mas, de repente, você dá de cara com Marcos Palmeira, Almir Sater, e confirma: sim, já vimos isso antes e era tudo muito semelhante, descontando, evidentemente, a coloração e definição de imagens agora resultadas das novas gravações.
Uma gigantesca plateia com menos de 35 anos que não viu a novela original ficou deslumbrada com as imagens apresentadas neste primeio trailer, cuja exibição causou furor no Twitter.
A Globo aproveitou a expectativa pelo paredão do BBB 22 na noite de terça para levar ao ar esse primeiro videoclipe, digamos, do tão anunciado remake de “Pantanal”, novela de Benedito Ruy Barbosa agora adaptada por seu neto Bruno Luperi, com direção artística de Rogério Gomes, o Papinha.
Para quem, como eu, tem na memória de três décadas tudo o que representou aquele arranjo musical de uma orquestra que triunfa e brinda à natureza na canção de Marcus Viana, chega a ser estranho ouvir a locução da Globo anunciar “a sua nova novela das nove”.
Como as locações são as mesmas, as músicas são as mesmas, a abrangência dos ângulos que abarcam rios e vegetações são muito parecidas e até alguns atores são os mesmos, penso que seria justo estampar na abertura os devidos créditos a Jayme Monardim, que é uma referência inconteste na produção da nova versão, inclusive na escolha das locações onde foram gravadas a primeira e a nova versão, com três décadas de defasagem.
Nos tempos em que Maria Marruá era Cássia Kis, e não Juliana Paes, tudo parecia bem mais original, devo dizer, mas os mais jovens não terão essa percepção. Mas em tempos de redes sociais, não faltará quem resgate a Juma de Cristiana Oliveira para compará-la à onça de Alanis Guillen.
A REJEITADA VENCEU
“Pantanal” só foi ao ar na Rede Manchete porque a Globo, empresa para a qual Benedito Ruy Barbosa trabalhava na época, recusou o projeto. Na ocasião, uma equipe foi até o Pantanal para avaliar as possibilidades de gravação, por sugestão do autor, mas cometeu a imprecisão de visitar o local em período de cheias. A Heval Rossano, diretor que liderou a comitiva responsável por analisar a produção, a obra parecia inviável.
Barbosa então levou a ideia à Rede Manchete, que àquela altura, capitaneada artisticamente por Nilton Travesso, tirou Monjardim da Globo e viu na vinda de Ruy Barbosa uma grande oportunidade para alavancar sua boa fama em teledramaturgia. A rede de Adolpho Bloch já havia feito “Dona Beija” e “Kananga do Japão”, com Tisuka Yamazaki, duas boas produções no ramo.
A Manchete acabou também dando a “Pantanal” uma leitura que a Globo não faria, muito menos naquela virada de década em que tudo na dramaturgia da emissora era resolvido no Rio, entre estúdios e cidade cenográfica. Todas as histórias que se passavam foram dos domínios do Cristo Redentor mereciam no máximo alguns takes de cartão postal para disfarçar o cenário artificial.
Na Manchete, tudo foi gravado in loco, no Mato Grosso do Sul, e o resultado foi de encher os olhos do público, que nunca havia visto aquilo em uma novela, principalmente em horário nobre. Até então, a Globo restringia as tramas rurais de Ruy Barbosa à faixa das 18h, horário em que a plateia disponível em casa é menor.
Só após o sucesso de “Pantanal” no outro canal é que o autor teve espaço para contar sua primeira história na Globo no posto mais nobre, a dita novela das oito, como era tratada a trama das nove na época (porque começava às 20h30 e terminava às 21h30). E “Renascer” (1993), que inaugurou esse status, também só ganhou locações de verdade, na Bahia, em razão do efeito conquistado por “Pantanal”.
Na Manchete, a novela ia ao ar após as 21h30, quando acabava a então novela das oito da Globo. Conforme o sucesso avançava na concorrência, a Globo tentava espichar a duração dos capítulos do folhetim da ocasião, “Rainha da Sucada”, de Silvio de Abreu. Mas a Manchete se mantinha firme no propósito de aguardar pelo fim da novela da Globo para iniciar “Pantanal”.
Até um sistema de espionagem foi montado pelo pessoal da Manchete para ter mais precisão sobre o minuto em que “Rainha da Sucata” saía da tela.
O Jornal da Manchete fazia o papel de sala de espera, e o casal Eliakim Araújo e Leila Cordeiro só dava o “Boa Noite” final quando os espiões na Globo avisavam que o capítulo de “Rainha da Sucata” estava no seu último minuto.
“Pantanal” ultrapassou a casa dos 40 pontos na reta final, audiência que hoje nem a Globo consegue em qualquer circunstância. Na média total, não chegou a bater a líder, mas fez estrago no bolo da audiência e chegou a vencer a Globo no último capítulo.
Para dar seguimento ao gênero, a Manchete produziu na sequência uma outra novela ligada a peões boiadeiros e rodeios, “A História de Ana Raio e Zé Trovão”, protagonizada por Almir Sater e Ingra Liberato, ambos egressos de “Pantanal”. Não foi o estouro da novela anterior, mas chegou a bons 13 pontos de audiência.
Pena que a Manchete tenha se perdido na má administração do negócio. Apresentada como “a emissora classe A”, a empresa nasceu junto com o SBT e reunia ótimas produções, da dramaturgia a encontros musicais que faziam jus ao seu slogan. O acervo está dilacerado entre a massa falida de dois CNPJs diferentes, com fitas localizadas na Cinemateca, igualmente destruída, e até na Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, que uma vez recebeu móveis recheados de fitas antigas da emissora.
Na Globo, “Pantanal” chega com 32 anos de atraso, mas em ótima hora para acender os holofotes necessários à preservação ambiental e com uma produção que parece estar à altura das novas tecnologias. A emissora também alimenta boas expectativas em relação à exportação da trama, nesse contexto em que o mundo volta suas atenções ao Brasil para estancar queimadas, desmatamento e a deterioração de seus santuários por predadores humanos.
A novela tem previsão de estreia para a última segunda-feira de março, sucedendo “Um Lugar ao Sol”, de Lícia Manzo.