Globo se redime de omissões sobre desfile da Tuiuti com edição do ‘carnaval dos protestos’
Agora foi.
Melhor corrigir uma lacuna dois dias depois do erro do que esperar anos para acertar contas – e às vezes, nem acertar. A Globo voltou ao tema Paraíso do Tuiuti, cuja transmissão ao vivo do desfile na Sapucaí, na madrugada de domingo para segunda-feira, se fez notar pela ausência de comentários sobre as críticas políticas expostas na avenida.
Na edição de segunda-feira do “Jornal Nacional”, como observou Mauricio Stycer, colunista do UOL, o espaço dado à Tuiuti, escola que mais rendeu polêmica ao longo do dia, foi o menor entre as agremiações que tiveram suas performances resumidas pela edição. Na terça, portanto, o “JN” voltou a mostrar o “vampiro neoliberalista” como uma “alusão ao presidente Michel Temer” e enumerou em detalhes os outros pontos do protesto, até então mal explorados pelos analistas da emissora.
O assunto foi retomado em uma matéria particularmente dedicada a enfatizar que “este carnaval deixou uma marca forte e indiscutível: os protestos contra a violência no Rio de Janeiro e as críticas aos políticos e às questões sociais”. “A Paraíso do Tuiuti desfilou críticas políticas e sociais no primeiro dia na avenida”, inciou o texto, que continuou: “Operários obrigados a se desdobrar denunciavam as más condições de trabalho e criticavam a reforma trabalhista. Carteiras rasgadas mostravam que muitos brasileiros vivem sem direitos no trabalho informal. Os manifestoches eram uma sátira a manifestantes que são manipulados pelos poderosos. Como se fossem marionetes, eles estavam encaixados no pato da Fiesp, um dos símbolos dos protestos contra o governo Dilma e carregavam uma panela, em referência aos panelaços da época. No último carro, um vampiro vestia a faixa presidencial, numa alusão ao presidente Michel Temer. A fantasia do destaque ganhou o nome de ‘vampiro neoliberalista’.”
Tudo veio explicadinho – se bem que não é possível cravar que carteiras de trabalho rasgadas se referissem apenas ao “trabalho informal”. Sendo a crítica à reforma trabalhista, como admitiu a edição, o dedo também aponta para a legalização de práticas que antes protegiam o trabalhador e foram rasgadas após a reforma.
De todo modo, a volta ao assunto, da forma como aconteceu, foi um grande avanço. Em seguida, a reportagem destaca os protestos da Mangueira contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, e o “recado claro” da Beija-Flor à violência, aos corruptos de malas cheias de dinheiro, com menção à Petrobrás e às mazelas do Rio, como bala perdida, arrastões, e policiais mortos. Blocos de rua também entraram na edição, com mais críticas a Crivella, repetindo um conteúdo que já tinha sido abordado, agora reunido no pacote do carnaval do protesto.
Este noticiário apurou que os narradores e comentaristas do desfile no Rio não estavam preparados para a imagem dos patos da Fiesp, manifestoches com camisas da seleção e o vampiro neoliberalista de Temer. O time responsável pelos microfones de fato visita os barracões de escolas com antecedência e toma ciência de seus destaques, bem como do samba enredo e seu tema central.
Mas, no caso da Tuiuti, as informações repassadas a Fátima Bernardes, Alex Escobar e cia., segundo me contou uma fonte que prefere não se identificar, ficaram restritas aos detalhes da escravidão, assunto central do enredo.
Diante do grande protesto trabalhista e político, faltou jogo de cintura ao pessoal da transmissão, que demonstrou insegurança em mencionar Temer, patos e panelas – que, afinal, tiveram tanto destaque na tela da própria Globo nos idos do segundo e breve governo Dilma.
Ora, ora, bastava atribuir a leitura da Sapucaí à própria escola, não era preciso endossar o que ninguém ali na Globo sabia se poderia ser endossado.
O que não é possível é exibir as imagens em questão sem dar a legenda devida ao público, que, a essa altura, já ferve nas redes sociais, ávido por gafes, erros e teorias de conspiração.