Ao abrir mão de Bianca Ramoneda, GloboNews reduz repertório cultural
Não é porque o interesse em política e economia é latente, no atual contexto do País, que a gente precisa varrer a cultura para fora da tela. Ao contrário. É agora que ela mais se faz necessária.
A GloboNews dispensou Bianca Ramoneda, atriz, jornalista e escritora, 18 anos de casa, que lá começou com o excelente “Starte”, tendo depois comandado as séries “Grandes Atores” e “Grandes Atrizes”. Nos últimos dois anos, ela vinha comandando o melhor programa de TV sobre dramaturgia brasileira – e não só pelo fato de poder entrevistar talentos da Globo, o que não está ao alcance de outros canais. Nada se compara à proposta do “Ofício em Cena”, da concepção do cenário intimista, com sua iluminação e jogo de câmeras, plateia para poucos e bons, e uma entrevistadora capaz de dissecar todo o processo criativo de escritores, diretores de TV e cinema, figurinistas, fotógrafos, cenógrafos e atores. Vieram de Bianca, do “Starte” até o “Ofício”, as melhores radiografias de profissionais de dramaturgia produzidas para a TV no Brasil.
E não é que a querida Maria Beltrão ou outros âncoras possam abraçar, em seus programas, essa lacuna que agora se esvazia. Isso não vai acontecer, da mesma forma como Roberto D’Ávila, por melhor que sejam suas conversas, não sanou o buraco criado a partir do fim do “Sarau”, de Chico Pinheiro, que tinha a chance de aprofundar diálogos sobre música e seu processo criativo.
Não estamos falando de um espaço dado aos artistas, quase como favor, para que eles “divulguem” seus shows, estreias e afins, ou de quem convida artista para “dar uma leveza” ao jornal A ou ao programa B. Estamos falando de valorizar, esmiuçar, ensinar e aprender sobre música (no caso do “Sarau”) e sobre o que a própria empresa, no caso, a Globo, tem de melhor: sua dramaturgia. É isso que coloca a marca da casa em mais de 170 países e que faz a concorrência se curvar, sem forças para competir com sua audiência. Não há, na TV, qualquer outro programa que tenha sido capaz de mapear esses talentos melhor que o “Ofício em Cena”, o que está diretamente ligado à análise combinatória que une entrevistados e entrevistadora. Fosse só pela questão da audiência quantitativa, ok, um “Vídeo Show” resolveria tudo. Mas não é desse imediatismo numérico que estamos falando.
É certo que emissoras como Canal Brasil, Arte 1 e Curta explorem como prato principal tudo isso que vai deixando de existir na GloboNews, mas isso é como aplaudir o canal Futura, que só chega a quem já conhece o valor daquele conteúdo, criando um sistema que inibe a expansão do conhecimento entre quem mais precisaria dele.
Não vejo por que o foco prioritário do canal justifique a redução (para não dizer morte) do interesse sobre um tema que deveria alimentar seu repertório. O fim de programas como “Ofício em Cena” e “Sarau”, a diminuição de seções fixas para literatura e outras artes é um convite ao nível raso do pensamento, num canal que deveria estimular justamente a abertura do leque e a diluição de uma polarização ideológica que carece de formação cultural, contribuindo para que as pessoas se dividam entre Chico Buarque ou Lobão, quando tudo pode ser conciliável.
Uma pena.