De volta, ‘Greg News’ se vacina contra piadas prontas do governo
O “Greg News”, programa que une noticiário e humor na HBO, sob o comando de Gregório Duvivier, entra nesta sexta-feira, 29, em sua terceira temporada, com 50% a mais de episódios. Agora são 30 programas, com previsão de se espalhar pela grade do calendário letivo todo, com 15 edições semanais a contar de hoje, mais um hiato para descanso e outros 15 episódios até dezembro. Não está descartado mais um especial de fim de ano, como aconteceu nas safras anteriores.
Para começar, precisamos falar de milícias, assunto que, como tantos outros que merecem consumir nossa reflexão e debate, ficam em segundo plano e perdem espaço na vitrine de polêmicas como “golden shower” e “rosa para meninas e azul para meninos”, por exemplo.
As milícias estarão no programa de estreia desta terceira temporada, na noite desta sexta, às 23h (novo horário), com espaço para aquecer as lembranças sobre o golpe de 1964, que estará completando 55 anos neste domingo. De modo geral, o programa abordará a violência no Brasil, incluindo ainda a facilitação para o porte de armas.
A edição ficará disponível depois no HBO GO, plataforma sob demanda do canal, e ganha, como de praxe, um generoso resumo no canal do grupo no YouTube, a partir de amanhã.
À primeira vista, parece que o grande trabalho dos programas humorísticos durante um governo que rende muitos memes e polêmicas é selecionar a essência daquilo no tempo e no espaço da TV. Eis a cilada. O “Greg News” chega a essa nova safra tendo a sua disposição um arsenal de piadas prontas que são, na verdade, um festival de cascas de banana.
“A gente está com uma quantidade gigante de temas guardados, numa ansiedade de falar de todos eles porque o diferencial deste governo é que há um manancial de piadas prontas”, disse Duvivier ao TelePadi , em entrevista via conferência por telefone, na véspera da estreia. “Por um lado, está mais fácil, por outro, está mais difícil porque tem uma enxurrada de assuntos”, completa.
“A dificuldade da equipe é não cair na armadilha de ficar falando só das bobagens que acham que ele [governo/presidente] fala, sob o risco de isso virar um fator de distração”, completa o produtor da HBO Latin America, Roberto Rios.
“A piada já vem pronta”, continua Rios, que participou da conversa diretamente de Miami, nos Estados Unidos, uma de suas bases de trabalho para o canal. “Em tese, você não precisa ficar criando muito, é bom, mas, ao mesmo tempo, são recursos muito usados para distrair o público , são como os tweets do Donald Trump: você fica comentando as bobagens e não fala sobre o que realmente interessa. Então, o programa quer justamente encontrar os enfoques que não vão ser falados e comentados. Tem muito assunto.”
É claro que seria um desperdício sequer mencionar o caso do golden shower, quando Bolsonaro foi ao Twitter para postar um vídeo de uma performance de Carnaval, tentando descredenciar a festa popular que o tornou protagonista de deboches de toda espécie em todo o país. Mas não dá para dedicar um programa inteiro a isso.
“Porque no fundo é isso que ele quer. Mas não dá pra acreditar que ele realmente não sabia o que era ‘golden shower’, e mesmo que não soubesse, tem o Google. Se ele vai ao Twitter e não ao Google é porque ele quer causar. A gente não pode cair nessas armadilhas que o governo planta”, diz Duvivier.
Nos noticiários, nas redes sociais e nas conversas das pessoas, o fato é que a discussão sobre “golden shower” e um presidente que publica um vídeo pornográfico em rede social se manteve à frente de outros debates relevantes e das críticas feitas ao presidente durante a festa que ele tentou descredenciar.
Convém ainda lembrar que esse bafafá foi produzido a poucos dias da prisão dos suspeitos de matar Marielle Franco, execução ligada às milícias combatidas pela vereadora do PSOL, ocorrida um ano antes, no Rio, que vitimou também seu motorista, Anderson Gomes. Um dos detidos, o policial militar reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, mora no mesmo condomínio de Bolsonaro, na Barrada Tijuca, no Rio.
Duvivier não pretende fazer ilações ou levantar suspeitas não concluídas, apenas mostrar como vários aspectos de situações como esta são devidamente encobertos por polêmicas criadas a partir de pontos irrelevantes para o debate nacional.
“A gente tenta, em geral, falar do que não está em evidência, e não daquilo que todos já estão falando. Milícia é um assunto triste, trágico, difícil de fazer humor com isso, mas nosso desafio é trazer isso à tona”, fala o humorista. “A gente tem um presidente que homenageia miliciano, homenageia torturador: o [Carlos Alberto Brilhante] Ustra foi condenado pela Justiça, é o único militar condenado pela Justiça.”
Ao falar de homenagens a milicianos e torturadores, Duvivier aproveita a coincidência de entrar no ar bem na véspera do fim de semana em que Bolsonaro pretendia “comemorar” (termo que depois ele desmentiu, optando por “lembrar”) o golpe de 1964, tratado como “movimento” pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Tóffoli. Há três dias, Bolsonaro disse, em entrevista a José Luiz Datena, na Bandeirantes, que não houve ditadura no Brasil.
A gravação do programa que vai ao ar hoje também foi feita há três dias, dando à edição uma temperatura de noticiário, mas com base em pesquisas que começam muito tempo antes. A equipe do “Greg News” vasculha os assuntos em voga e seus pontos pouco abordados para eleger o tema de cada semana. Em geral, há um planejamento em andamento para o prazo de realização das três semanas seguintes, que vão se adequando aos acontecimentos do dia a dia, e são muitos.
Todos os dias o noticiário, muitas vezes abastecido pelos tweets do presidente e seus filhos, ou mesmo pelo Diário Oficial da União, traz informações depois contemporizadas ou desmentidas.
“A gente vai debatendo semana a semana, o que a gente tem são pesquisas prévias”, comenta o apresentador, que volta à sua versão barbada, agora com novas paisagens fazendo fundo a uma nova bancada.
Além dos assuntos ditos nacionais, Duvivier continuará olhando para questões relevantes em cada pedaço do país, com atenção para personagens como Witzel, governador do Rio, e João Dória, que ocupa o mesmo posto em São Paulo. Também quer puxar debates sobre a Argentina de Macri, a Venezuela e o México, todos com questões que podem ser úteis ao repertório e debate no Brasil.
Diferentemente de humoristas e apresentadores que se anunciam como “neutros” politicamente, sem ser, Duvivier preza a honestidade de se colocar em cena com transparência. Escritor e poeta, é identificado com pensamentos humanísticos que o posicionam à esquerda, e não nega. Não há, afinal, a menor intenção de enganar o espectador, mas há a promessa de autocrítica e crítica a quem pensa parecido com ele, quando for o caso, no devido contexto de cada situação.
Na plateia de 120 lugares que abriga espectadores para o “Greg News”, os haters que muitas vezes o agridem no ambiente digital sequer dão as caras. Ao vivo, a civilidade costuma valer, ainda bem, e a gravação acaba servindo como um stand up (ainda que sentado) para quem aprecia suas leituras.
Greg News:
Sextas-feiras, às 23h, na HBO
Disponível após as 23h na HBO GO (para assinantes) e nos dias seguintes à exibição, pelo YouTube (acesso gratuito), em versão reduzida.