ViacomCBS cria grupo de roteiristas negros para ampliar diversidade
Batizado como Narrativas Negras, um time com cinco profissionais de roteiro e criação foi formado pela ViacomCBS para ampliar a representatividade e a equidade racial na tela e por trás dela. A iniciativa endossa um movimento que vem se desenhando com mais aceleração do que nunca em outros grandes conglomerados do audiovisual, seguindo uma tendência já constatada nos filmes publicitários, e o Brasil saiu até com atraso nessa trilha.
Foi o segmento da propaganda que deu o primeiro sinal: essa tendência está longe de ilustrar um quadro isolado ou de pura conscientização inclusiva. A indústria de consumo se deu conta enfim de que vinha historicamente desprezando mais de 50% da população e que a inclusão negra, na diversidade de seus pensamentos e cores, representa faturamento em nível de massa.
“Na verdade, a gente já está desenvolvendo essa ideia desde o ano passado, mas o Marton estava ocupado com outras coisas e fomos adiando”, diz Tereza Gonzalez, diretora sênior do VIS Brasil. “É uma questão de interesse não só do espectador, mas um interesse cultural, e isso é mundial. Tem que pensar que a Viacom também tem streaming, a gente conversa com o público internacional e o Brasil está bem atrasado nisso. É uma tentativa de atender aos anseios.”
“Estamos muito no embrião, mas a gente tem muito mais de quatro ideias, porque tem muita coisa represada, todo mundo que chegou aqui chegou cheio de ideias”, retoma Marton, em conversa com o blog por videoconferência. “A gente não é muito bem representado nas telas, como você disse.”
E não há limitações temáticas. Se muitos enredos já se abriram para abordar problemas relacionados ao povo negro, é hora de buscar outras histórias.
“A gente está fugindo um pouco dessas narrativas que a gente já viu demais, que a Ivana Bentes chama de ‘cosmética da fome’, que é aquela coisa associada à desgraça, à pobreza”, fala Renata, que continua: “Estamos indo por outro caminho, porque essas histórias de ‘cosmética da fome’ já escreveram. A gente está indo numa variedade gênero, numa lacuna que acho que existe em todos os gêneros, de terror, de histórias pra família, e hoje, quando a gente pensa quais são as nossas referências, só tem histórias com protagonismo branco. Tem uma dívida mesmo com isso.”
Estêvão endossa: “A gente foi muito ignorado como consumidor. ‘Ah, vamos fazer narrativa negra porque vamos ser documentais, didáticos, vamos ver a nossa realidade na tela’. Não, a gente quer fábula, a gente quer paixão, a gente quer ver se a pessoa for transportada para um outro mundo e se essa pessoa por acaso for negra. A gente quer dar margem para o sonho, dar margem para a arte, e não só ficar com aquela realidade e estética, a estética da pobreza e com essa violência gráfica representada nos filmes brasileiros, porque o que a gente vê hoje é essa violência que diz um pouco sobre o background da população, mas quando a gente fala de arte, a gente fala de arte sobre tudo, sobre romances, histórias familiares.”
Para Eliana, o time de roteiristas poderia de fato criar bem mais que quatro projetos. “Porque a gente não sabe nada inclusive da nossa própria história, da história do Brasil. A gente, que eu falo, é a grande população, negra e não negra. Falta um mergulho, falta um olhar, que é a questão de lugar de fala. Acho que isso é tão mal interpretado, não é uma jaula, não é uma proibição, é apenas que a gente precisa contar a nossa história também. Eu cresci vendo novelas escritas por pessoas brancas retratando pessoas negras, escritores escrevendo sobre pessoas negras que eram brancos, enfim, toda a narrativa brasileira, e a linguagem é o coração de uma nação, fala que o padrão é você e não sou eu.”
Outro ponto a destacar é a diversidade dessas narrativas. O padrão da branquitude criou o conceito de que negro é uma coisa só, quando até tonalidades, cabelos, regiões e classes sociais produzem grandes contrastes entre os negros, como acontece entre brancos, amarelos ou indígenas.
“Somos roteiristas negros, mas somos muito diversos. Então, a questão de tonalidade, de cabelo, de postura, e principalmente as questões sociais são diversas. Eu estou no Jardim Palmares, que é zona oeste do Rio, a Renata está em Brasília, a Eliana está em Vila Isabel. O home office está ajudando a gente a ter esse encontro”, cita Lidiane. “Eu nunca estive numa sala de roteiro presencial, então eu iniciei essa carreira já no home office, e tem sido incrível, porque fatalmente essa sala poderia ser na zona sul ou na Barra, no Rio de Janeiro, e eu, morando na zona oeste, estaria fazendo duas horas e meia de viagem para poder chegar a esses lugares, se fosse presencial. Estando em casa, tem essa possibilidade da questão social, a mobilidade urbana não me atravessa, e a diversidade social é importante na criação dessas histórias”, conclui.
Estêvão acrescenta: “Tem uma questão de democratização aí também, porque se você pensar que os conteúdos são criados em grandes centros, às vezes uma pessoa preta não tem uma estrutura familiar ou financeira pra mudar para um grande centro, e a gente deixa de ouvir uma voz porque essa pessoa não pode estar geograficamente lá.”
“É claro que isso tem que ser ampliado, assim como hoje o estudo pela internet tem suas limitações, a gente tem pessoas na periferia que precisam ser ouvidas e essas narrativas precisam chegar lá, a gente quer se comunicar com essas pessoas aonde elas estão, essa é a nossa meta para esse trabalho”, diz o quadrinista.
Em novembro passado, o VIS anunciou que 25% de seu orçamento na América Latina seria investido na criação e desenvolvimento de conteúdo por pessoas que ampliem a diversidade e aumentem a equidade, seja ela racial, cultural, de gêneros ou de perspectivas.
Narrativas Negras é uma iniciativa que começa no Brasil, mas será replicada em outras regiões, promete o executivo, para enriquecer a oferta de produtos com diferentes perspectivas que se identificam com etnias e grupos diversos.