‘Império’ é novelão, com rara figura masculina no epicentro do enredo
Das Helenas de Manoel Carlos às vilãs e mocinhas de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva, sem falar nas heroínas de Glória Perez, as figuras femininas quase sempre mobilizam as novelas. Encontrar um José Alfredo, como este que volta ao horário nobre nesta segunda-feira (12), na pele de Alexandre Nero, é jogo raro, ainda mais em enredos urbanos.
Só nesta temporada pandêmica, tivemos Lurdes (Regina Casé), Griselda (Lilia Cabral) e Bibi Perigosa (Juliana Paes) no foco das atenções do horário. O comendador é o primeiro homem a ganhar o protagonismo absoluto na faixa das 21h, em tempos de Covid.
Autor da história, Aguinaldo Silva consegue, como é muito raro em novela, emprestar a uma figura masculina a condição de epicentro absoluto do enredo. Trafegando entre o herói e o anti-herói, José Alfredo constrói sua fortuna de modo controverso, aliando-se, ainda na pele de Chay Suede, a um traficante de diamantes (Reginaldo Faria).
O personagem depois trairá Lilia Cabral com Marina Ruy Barbosa, o que fez o público na época pegar certo bode da ruiva, mas não dele. Afinal, onde ficaria o machismo da massa, que costuma culpar as mulheres pelos adultérios cometidos por eles?
Com todas as questões, ele consegue ter justificativa para tudo e é plenamente absolvido pela audiência, que fez ótimos números no ibope entre 2014 e 2015. A plateia torcia por esse homem, as mulheres se encantavam por ele, foi um acontecimento.
Embora toda a engrenagem da trama tenha funcionado muito bem, com afinação entre texto e direção de Rogério Gomes, contando com um elenco primoroso, a força daquela figura conspirou, acima de tudo, pelo sucesso do conjunto da obra.
A plateia estava tão envolvida com a história, que nem ligou para a troca entre Drica Moraes e Marjorie Estiano no meio do folhetim. Marjorie, que viveu a peste da Cora na primeira etapa, voltou ao papel para render a colega, que teve problemas de saúde e não pode continuar. O autor criou lá uma plástica para ela e os índices de audiência não sofreram um milímetro de abalo.
Em meio ao momento difícil que estamos vivendo, “Império” certamente será uma boa válvula de escape para a dor, trazendo à tona uma rotina que hoje nos parece ainda mais fictícia, por meio de uma história de um sujeito humilhado que dá a volta por cima e impõe sua grandeza. É tudo o que a gente gostaria de alcançar neste momento de impotência.
Além de Nero, destaquem-se as atuações de Chay, Marjorie e Drica, e também de Lilia Cabral, Ailton Graça, Paulo Betti (o afetado colunista fofoqueiro), José Mayer (que vivia pela primeira vez um gay e escondia sua orientação da família), Caio Blat, Andréia Horta, Leandra Leal, Othon Bastos e Paulo Vilhena, só para citar alguns.
Entre as produções de alto apelo popular da década passada, “Império” era minha novela favorita para ganhar reprise, bem antes de “Fina Estampa” e de “A Força do Querer” (que pensava ser muito recente para ser reprisada). Gosto muito também de “Velho Chico”, a que mais me comove, e de “A Regra do Jogo”, pela ousadia de João Emanuel Carneiro em jogar com a dubiedade das pessoas. Mas tenho noção que nenhuma das duas abraçou mais público do que as três escolhas feitas pela Globo para esta temporada.
Outra alternativa que me atiçou a imaginação seria a possibilidade de reprisarem “Órfãos da Terra”, de Duca Rachid e Thelma Guedes, no horário das nove, também vencedora do Emmy Internacional, assim como “Império”. Seria uma oportunidade justa de dar à produção uma plateia maior do que a que ela teve, e bem que ela merecia.
O fato é que Zé Alfredo certamente dará conta da missão, acompanhado de Maria Marta e de seu império, com intrigas que desviem, nem que seja por uma hora diária, a atenção das pessoas para algo que passe longe da vida real.