Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Indústria do streaming aquece reality shows, diz consultor mundial da Endemol

Imagem de Casamento às Cegas, programa que terá 2ª temporada em 2022 / Divulgação

De passagem pelo Brasil, o britânico Paul Hardy, um dos quatro consultores mundiais da Endemol Shine, uma empresa da companhia Banijay, conversou com o blog por uma hora, na sede da empresa em São Paulo, com exclusividade. Falamos sobre a relevância do streaming no crescimento do gênero, a necessidade de gerar identificação no público, absorvendo bandeiras sociais e pautando a conversa da audiência, e da perspectiva de o Brasil passar a exportar formatos criados aqui.

Dona de sucessos como “Big Brother”, “Masterchef” e “Casamento às Cegas”, a empresa lidera a produção mundial de reality shows, com um catálogo que se estende a mais de 300 formatos.

Foi uma aula.

Acompanhado por Renato Martinez, vice-presidente de Venda de Conteúdos e Aquisições da Endemol Shine Brasil, e por Natasha Szaniecki, chefe de Comunicação, Relações Públicas e Mídias Sociais da empresa no Brasil, Hardy falou por mais de uma hora.

Conversamos sobre a criação de formatos híbridos, que mesclam ideias de grande potencial, e sobre o impacto da cultura local no sucesso de um mesmo reality show em diferentes países. Seu principal trabalho, aliás, é visitar cada nação para auxiliar os produtores locais na adaptação de cada receita, apontando o que pode ou não funcionar em cada região.

Entre os realities que aqui chegaram em 2021, a empresa já confirma para 22 uma segunda temporada de “Casamento às Cegas”, título que representou o maior impacto sobre o público brasileiro no menu da Netflix neste ano, “Rolling Kitchen”, com Paulo Vieira no canal GNT, e “The Masked Singer Brasil”, um dos títulos mais vistos da Globo na linha de shows semanais em 2021.

Paul Hardy, consultor mundial da Endemol Shine / Banijay

Eis o que Hardy nos conta sobre:

STREAMING

“No momento, com a entrada dos streamings no Brasil, isso ajuda muito a gente a fazer coisas novas. Existe uma demanda muito grande e os streamings são mais ousados que os canais de TV abertos e pagos. Durante a pandemia, aconteceram muitos formatos de não-ficção, por exemplo, como Canta Comigo [Record]. E tem o game show também, outro modelo em expansão. Tudo o que é não-ficção as pessoas botam no pacote de reality, e a gente tem uma vasta gama de formatos de não-ficção.

A Endemol Shine e a Banijay são duas empresas que têm formatos disponíveis no mundo interio para diferentes públicos. Muito provavelmente a Endemol tem alguns dos maiores talentos nesse território.”

MISTURA TUDO

“Vão começar agora a surgir formatos híbridos, como dating show [namoro] com cozinha. Há uma tendência pela mistura de gêneros, gastronomia, música, romance. Hoje, os streamings estão sem medo de arriscar, de tentar coisas novas, agora arriscam e estão vendo que dá certo.

Na pandemia, o reality se desenvolveu mais porque era possível gravar reality e não dramaturgia.”

IDENTIFICAÇÃO

“O reality se aproxima do espectador, de pessoas como nós, em competição como nós temos, fazendo coisas que a gente gosta de fazer, mesmo quando são famosas. Isso cria uma identificação da audiência com esses shows.

A história a ser contada é o mais importante, com o afeto que isso traz ao público.”

(“Quer dizer: all we need is love?”, pergunto. “Exatamente”.)

“Além disso, complementando, nesse momento de pandemia, com todo mundo em casa e tudo mais sombrio, o reality permite que a gente se veja na tela, o ser humano é curioso. Às vezes você vê alguém falando uma grosseria e você vê aquilo, não quer dizer que seja vilão, quer dizer que nós também  erramos: é a curiosidade humana sobre o nosso comportamento, de amor, de estresse, de competição, e por isso o reality vai além da dramaturgia.”

O MAIOR BROTHER DO MUNDO

“Por mais que os reality shows sejam chamados de reality show leve, é difícil fazer porque não tem um roteiro, trabalhamos com o inesperado, com horas e horas e horas de gravação. É um processo diferente, não são atores e atrizes, são pessoas dizendo o que fazer.

Em todo país onde hoje tem ‘Big Brother’ o programa faz sucesso. O australiano é bem legal. O da África do Sul e Espanha também.

O do Brasil é o maior do mundo.”

(Martinez: “O Brasil é o único país onde o Big Brother estreou e nunca saiu do ar, ano a ano. Em outros países, o formato descansa, aqui, não.”)

“Temos uma conta que mostra que tem mais gente que assiste ao Big Brother do que à Copa do Mundo.

Reality shows é algo que nós conhecemos.”

NA COZINHA

“No Masterchef hoje, eles percebem que o sonho pode se tornar realidade. Quem sai dali pode se tornar um chef, abrir um restaurante, ou vai trabalhar com gastronomia. As pessoas também se reaproximaram da comida na pandemia.”

NOVAS IDEIAS

“Nessa época de pandemia, principalmente, as pessoas que trabalham com entretenimento na Endemol e Banijay puderam se juntar virtualmente para entender os formatos antigos e os formatos novos, e de que forma isso pode se misturar para fazermos outras coisas.

Temos um novo formato francês, ‘Dominós’. É um formato de construção de dominós, com uma competição de times que fazem esse tipo de coisa e de cenários complexos.

Tem também o ‘Hungry for Love’, formato que tem uma pessoa como pretendente a um namoro, e ela cozinha junto com outros três pretendentes a romance.

São formatos mais híbridos, e meu trabalho vai ser mais interessante com isso.”

CRIAÇÃO À BRASILEIRA

“Falta a gente fazer algo para o Brasil, por brasileiros para brasileiros, que ganhe o mundo. O Brasil daqui a pouco vai produzir e exportar formatos. Os streamings estão querendo isso, olhando para isso. Como o Brasil é um celeiro de talentos, muito provavelmente daqui a pouco estaremos criando aqui.

Eu acabei de fazer um date show na Espanha para Inglaterra, e esse mesmo reality vai para Finlândia, Alemanha, Norouega.

Cada país fala o que funciona e o que não funciona, e juntos, vão construindo os programas. Essa troca é muito legal.

Um bom reality show é um reality experimental, caso do ‘Casamento às Cegas’, que pareça familiar e estranho ao mesmo tempo à audiência, mas precisa gerar identificação.”

ENGAJAMENTO SOCIAL

“O Big Brother tem se adequado às demandas da sociedade, a partir de movimentos como o antirracismo, o Me Too e as próprias demandas trazidas pela pandemia. Temos que parar e pensar como refletir o que está em discussão, sobre raça, idade, gênero. O ponto de partida disso vem do ano passado, em 2020.

Queremos diversidade não é só na frente da tela, tem de vir de trás, dos bastidores, da criação, da direção.

É uma responsabilidade nossa colocar esses assuntos dentro dos nossos programas e às vezes a sociedade não está pronta para isso, mas é também uma responsabilidade nossa captar e pautar esses assuntos.”

 

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Cristina Padiglione

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