Letícia Colin conta que a imperatriz Leopoldina a preparou para ser garota de programa em ‘2º Sol’
Quem via a imperatriz D. Leopoldina na novela “Novo Mundo” mal pode reconhecê-la em Rosa, a garota de programa que ousa desafiar a cafetina de luxo Laureta (Adriana Esteves) na atual novela das nove, “Segundo Sol”. Pois acredite: elas são a mesma pessoa.
Ainda que os sotaques, modos e figurinos distanciem tanto as duas personagens, favorecendo as chances de Letícia Colín se mostrar tão camaleônica, a imperatriz do folhetim das seis foi decisiva para o sucesso da prostituta que vai ganhando protagonismo na faixa nobre.
“A Leopoldina me preparou para a Rosa”, disse Letícia ao TelePadi, em entrevista por telefone. Falamos de sua extensa e precoce carreira, da complexidade envolvida na composição da atual personagem – do baianês que afaga os nossos ouvidos à postura física de Rosa -, e da motivação em enxergar o ofício da personagem de outro modo, sem julgamentos.
Além de toda a preparação anterior para dar cabo do acento e da atividade de Rosa, de ter treinado os ouvidos com vídeos no YouTube, amigos e a preparadora Helena Varvaki, Letícia conta com auxílios praticamente online via whatsapp. Uma amiga baiana lhe socorre em momentos de dúvida, com áudios que ensinam como o baiano transforma duas ou três palavras numa só, quando uma vogal deve ser mais aberta que outra, ou quando um S vai mais ou menos para o som chiado. Da mesma forma, uma consultora que exerce a profissão de Rosa na vida real mantém com a atriz um diálogo permanente pelo mesmo Whatsapp, com dicas de como agir, como se colocar ou como pensar em determinadas situações.
É preciso dizer que o texto de João Emanuel Carneiro só conspira a favor de uma torcida do público por Rosa. Criada em família de poucos recursos, mas não exatamente uma miserável sem outra opção na vida, ela bem que poderia tentar um trabalho como recepcionista ou se esforçar como a irmã, Maura (Nanda Costa), que tanto estuda em busca de uma promoção na polícia, por centavos a mais no modesto holerite. Mas, filha do machista Agenor (Roberto Bonfim) e da submissa Nice (Kelzy Ecard), a moça é atraída para um atalho que poderá lhe tirar com mais celeridade dessa vida em que maridos escroques como seu pai maltratam esposas dedicadas e massacradas como sua mãe.
Em poucos capítulos (ATENÇÃO, CONTÉM SPOILER), Rosa se prestará ao papel de ajudar Roberval (Fabrício Boliveira) a descobrir o ponto fraco de Laureta, arriscando-se a vasculhar a secretíssima caderneta de contatos da cafetina.
Rosa também encontra machismo em seu ofício e no parceiro: embora também seja garoto de programa de Laureta, o mimado Ícaro (Chay Suede) não precisou de mais que um encontro fora do casarão da cafetina para questionar a namorada sobre as razões de ela não arrumar outra atividade profissional que não a prostituição. A moça lhe devolve a pergunta. Rosa pode ser pobre, pode ter estudado pouco, mas é sagaz, tem humor e não é de levar desaforo para casa, onde, aliás, aprendeu a rebater os desaforos que o pai faz para a mãe.
Tudo isso, por mais diferente que possa parecer de seu último papel, é obra de Leopoldina.
“É como se eu tivesse encontrado alguém que tivesse mudado a minha vida, um encontro com a direção, com os autores, em cenas maravilhosas para que eu pudesse transitar, ela contempla muita coisa”, afirma.
Leopoldina, reconhece Letícia, é um divisor de águas em sua trajetória, iniciada aos 8 anos pelo seriado “Sandy & Júnior” (2000-2001). Foi a imperatriz, de certa forma, quem aplacou o “medo” que a atriz antes tinha de se enfrentar dificuldades em grau crescente.
“Ela é tão forte, fez tanto pelo país. A trajetória dela, mesmo sendo submissa, é muito inspiradora. Cada personagem tem um ponto de partida diferente que te faz contar aquela história. Fazer a Rosa logo depois da Leopoldina me dá a certeza de que a Leopoldina me preparou muito – sobre atuação, sobre a vida, sobre a mulher, sobre a nossa história. Mas, principalmente, o meu encontro com o Vinicius Coimbra (diretor artístico de “Novo Mundo”) me deu uma parceria num lugar que aprofundou muito a minha atuação. A gente melhora quando está confiante, está feliz, e foi determinante ter vivido o que eu vivi nessa novela, para ser provocada, instigada.”
Até que D. Pedro aparecesse na sua vida, conta Letícia, havia um certo medo a inibir a segurança em cena, o que ela considera normal. “Trabalho com isso desde criança, mas é como se fosse video game, os desafios vão aumentando e às vezes a gente paralisa diante do que a vida nos apresenta. A gente fica muito fragilizada, abalada, mas acho que venho conseguindo me fortalecer.”
Bom baianês
Questiono Letícia se ela tem noção de que o sotaque acaba por alterar até o seu timbre de voz, fazendo com que a gente demore a perceber que ela era Leopoldina até outro dia, ou se isso é proposital. “Não é tão consciente”, admite. “Eu estava assistindo à novela com uns amigos e eles falavam que eu fazia sotaque bem. Mas é mais fácil trabalhar por essas composições, eu gosto dessa brincadeira, é algo que me atiça, ter que fazer uma construção complexa, que é um jogo que eu acho perigoso, do quanto você consegue se ‘camaleoar’, e isso é que me estimula, sabe?”
“A Rosa é um voo muito arriscado”, continua. “Eu tinha muito medo do sotaque, e diante do medo, você pode paralisar ou avançar. Te digo que estou muito feliz em vencer mil vozes que a gente tem dentro da gente, das nossas batalhas pessoais: conseguir fazer a Rosa me abriu para pensar diferente sobre várias coisas.”
Por quê? Pergunto se ela julga a escolha de Rosa.
“Não”, responde, “mas há o julgamento do quanto eu vou conseguir dar conta de uma tarefa, sobre a distinção de ser garota de programa”. “Eu não sabia muito bem qual era minha opinião sobre isso, para mim era um trabalho árduo, ser prostituta. Eu tenho já tantas questões com a minha sexualidade, saudável, sem traumas, que não consigo me ver nessa situação de vender isso, caramba. E falei: vou ter que pensar sobre isso. E ela tem um uso muito livre do corpo.”
Na trajetória anterior a “Novo Mundo”, Letícia também fez “Malhação”, TV Globinho, passou pela Band (“Floribella”), pela Record (“Luz do Sol”, Chamas da Vida”, A História de Esther” e “Chamas da Vida”), pela HBO (“Mandrake”), pelo GNT (“Questão de Família” e “Amor Verissimo”) e mais quatro trabalhos já na volta à Globo, em 2015 (“Sete Vidas”, “A Regra do Jogo”, “Chapa Quente” e “Nada Será Como Antes”).
Agora, Rosa promete ser um dos principais instrumentos do público para vingar o adorável ódio que a megera Laureta desperta do outro lado da tela. Mais que isso, Rosa perturba os ouvidos dos milhões de Agenores que infelizmente não se dão conta das injustiças que cometem rotineiramente com as mulheres com quem convivem, sejam elas esposas, chefes, mães, colegas de trabalho ou filhas.
Pois que assim seja.
Que Rosa nos represente.