Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Lições deixadas pela controversa entrevista de Manuela D’Ávila ao ‘Roda Viva’

Pensei em escrever sobre o assunto e não o fiz, até porque assisti à entrevista de Manuela D’Ávila, candidata à presidência pelo PC do B, no “Roda Viva”, dois dias depois, quando tanto se começou a falar sobre o assunto. Agora, lendo o ótimo artigo de Mauricio Stycer para a Ilustrada deste domingo, na Folha de S.Paulo, senti que muito ainda não havia sido dito sobre o episódio – e o texto dele traz à tona vários pontos ainda não discutidos.

Concordo com o colunista quando ele diz que, para além da questão machista que detectou mais de 40 interrupções nas falas da entrevistada, houve intolerância por parte dos entrevistadores.

Stycer chama ainda a atenção para a omissão que o programa fez sobre os créditos de um dos entrevistadores, Frederico D’Ávila, apresentado como “diretor da Sociedade Rural Brasileira”, mas não como assessor de Jair Bolsonaro, concorrente também à presidência e dono de concepções absolutamente opostas à da candidata então entrevistada. Isso é de uma gravidade sem tamanho e põe abaixo todo o discurso da Cultura por um “Roda Viva” mais plural e equilibrado.

Fiquei com medo de apanhar dos movimentos feministas, mas penso que há componentes políticos e retóricos que se sobrepõem à questão da misoginia no  caso da entrevista de Manuela, da qual se devem tirar boas lições para o bem das reflexões e argumentações que constroem um debate (e não uma guerra) eleitoral.

É verdade que faltou aos entrevistadores mais tolerância para ouvir o que ela tinha a dizer e menos ironia para rebater suas respostas. Mas faltou também à entrevistada argumentar melhor, lançando fatos que pudessem sustentar suas posições.

Quando explicou ao economista e filósofo Joel Pinheiro da Fonseca a diferença entre expor ideias em redes sociais e disseminar ódio, Manuela se saiu muito bem ao trazer exemplos concretos da distinção entre as duas coisas e irritou o entrevistador, que não se deu por contente com a resposta e insistia na semelhança entre “polarizar” e “espalhar ódio”, termo que ela definiu como a exposição de fotos de seus filhos na internet em publicações de opositores que buscam constrangê-la por meio das crianças.

Mas, quando o mediador do programa, Ricardo Lessa, refutou a posição de Manuela sobre a condenação de Lula, para ela injusta, ela mal conseguiu rebater que ele não foi condenado pela “casa de campo”, como Lessa chegou a dizer, escorregando em erro crasso de informação.

Lula pode até vir ser novamente condenado pelo sítio de Atibaia, mas a condenação que se discutia ali diz respeito ao triplex no Guarujá, que, ao contrário do sítio, ele não frequentava. Isso prova a inocência do ex-presidente? É claro que não, e ela teria até outros fatos a citar, mas, assim como nessa questão, Manuela perdeu algumas chances de reduzir os argumentos dos entrevistadores, o que só permitiu que a bancada fosse subindo o tom ao longo do programa.

É interessante notar como Guilherme Boulos (PSOL) e Ciro Gomes (PDT) tiveram êxito em esmiuçar argumentos que pudessem minar as intenções das perguntas que poderiam ter lhes servido como cascas de banana, e não foram poucas. Se quiser enfrentar as metralhadoras discursivas de uma campanha eleitoral, é bom que Manuela busque melhor sustentação de suas posições, inclusive sobre Joseph Stálin, ressuscitado por Lessa em uma das insistentes perguntas feitas a ela.

Aos candidatos, em geral, é preciso mais argumentação e menos retórica. Aos entrevistadores, pede-se menos posições estabelecidas, mais disposição em ouvir, mais preparo de conteúdo e tolerância ao serem contrariados. Dos organizadores de entrevistas e debates, pede-se transparência e equilíbrio na seleção de assuntos e entrevistadores, o que faltou no “Roda Viva” com Manuela.

Há dois meses, fiz para a Folha de S.Paulo uma reportagem sobre um “Roda Viva” que trocou de mediador, no propósito de ampliar a diversidade e a pluralidade de posições expostas naquele cenário. Assim disse o diretor de Jornalismo da emissora, Ricardo Taíra, e o novo mediador do programa, Ricardo Lessa.

No caso de Manuela, havia um opositor feroz, não só de ideias, mas de interesses opostos aos seus, sem nenhum “amiguinho” para ajudá-la na bancada.  Só como exemplo, Boulos também enfrentou um entrevistador de interesses contrários ao seu (Rubens Figueiredo foi apresentado apenas como “cientista político”, mas participa diretamente do governo Temer, o que o programa também não anunciou), mas, na mesma bancada, foi acariciado pela militância de uma simpatizante do PSOL (Marileia de Almeida, pesquisadora de comunidades quilombolas).

Por fim, vale fazer uma observação sobre a postura dos candidatos diante das câmeras, e aí já não falo só sobre o “Roda Viva”. Desde que um marqueteiro sugeriu a Lula que trocasse o tom vociferado do líder sindical pela imagem de “Lulinha paz&amor”, lá em 2002, um mar de sorrisos permanentes passou a tomar  conta dos rostos dos candidatos, mesmo na hora de ofender o adversário.

No “Roda Viva”, Manuela congelou um sorriso que se manteve até quando era atacada e interrompida. O mesmo se deu com Boulos e Ciro (que luta contra a fama de destemperado) e menos com Marina, que se beneficia da cadência natural de um ritmo mais lento de fala.

Marqueteiros e conselheiros de mídia defendem que a agressividade depõe contra o voto. Daí a atenção redobrada que os eleitores devem ter com o discurso, as ideias e a obra de cada um, independentemente da simpatia produzida diante das lentes.

Mas, repare bem, o aspirante ao Planalto com maior número de intenções de voto atualmente (considerando só os candidatos viáveis no momento), Jair Bolsonaro (PSC), não é muito dado a sorrisos e fala mansa, ao contrário. É um sinal que deve ser observado pelos profissionais muito bem pagos para produzir a imagem de seus clientes no ramo.

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Cristina Padiglione

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