Minha lista do ano: levem o Adnet e deixem a Tatá; viva Halim, Dr. Evandro, Bial e Porchat
Tanto me cobraram por uma lista de destaques do ano, e meus colegas já fizeram os melhores apanhados do calendário de 2017, que eu quase ia desistindo. Mas, aí vai, não exatamente uma lista hierárquica com ordem de importância, mas uma relação dos marcos da temporada. Das séries nacionais, tenho de dizer que a Globo continua fazendo as melhores. Quando a HBO fez “Mandrake” e “Filhos do Carnaval”, até parecia que a HBO ultrapassaria, aqui, o padrão de excelência da Globo, mas isso não se consumou.
Apesar de “Psi”, muito e muito boa mesmo, a HBO continua a fazer mais produtos diminutos aqui do que algo de fato relevante na ficção televisionada. “A Vida Secreta dos Casais’, que saiu este ano, de Bruna Lombardi, Carlos Alberto e Kim Ricelli, só fez bem aos terapeutas de massagem tântrica. Como enredo, é de doer. “O Negócio”, que chega ao fim em 2018, mantém a deficiência de prezar mais pela verborragia do que pela dramaturgia: tudo é narrado e legendado na voz de Rafaela Mandelli, o que é exaustivo. O título pode ser um sucesso em audiência por abordar o mais latente dos prazeres, o sexo, mas, como enredo, do texto à performance das meninas, deixa muito a desejar. Vale a pena apenas por Guilherme Weber.
A FOX segue num bom caminho em território nacional. “Um Contra Todos” endossou a relevância de uma segunda e uma terceira temporada. “Bruna Surfistinha” também chegou à 2 safra. A audiência vai diminuindo porque a empresa agora preza pela política da plataforma premium, forçando o público a assinar a FOX Premium, o que ainda não acontece de modo consistente, mas se a coisa for boa, como endossam as boas séries internacionais, de “Game of Thrones” a “The Walking Dead”, tudo pode funcionar melhor. A questão é que ali ainda não há variedade suficiente no leque qualitativo para justificar os gastos de assinatura do telespectador por um único serviço a la carte.
É por isso que Netflix continua sendo Netflix e a própria HBO bota fé numa assinatura solo, sem mais necessidade de vínculo com operadora de TV paga: apesar do pífio investimento que ambas ainda fazem nas produções nacionais (“3%” é bacana, mas seu orçamento é infinitamente mais modesto que “The Crown”), os conteúdos e a sua variedade compensam.
A seguir, o que se fez notar na tela em domicílio em 2017:
- “Sob Pressão”, na Globo, série com Júlio Andrade e Marjorie Estiano, produzida pela Conspiração, com direção de Andrucha Waddington e Mini Kerti, texto de Antonio Prata, Márcio Alemão e Lucas Paraízo, sob a regência de Jorge Furtado: realista, contemporânea e bem capaz de despertar debate sobre uma série de males sociais.
- “Dois Irmãos”, extraído da literatura de Milton Hatoum, minissérie com acabamento primoroso para uma história perturbadora, que nos levou até a chuvosa Manaus, região tão pouco visitada pela TV, com interpretações magistrais de Cauã Reymond, Antonio Fagundes, Eliane Giardini e Juliana Paes. Direção de Luís Fernando Carvalho, com texto final de Maria Camargo.
- “A Força do Querer”, novela de Glória Perez que carregou várias questões simultâneas, dos transexuais ao tráfico de drogas, devolveu a novela à novela, sem se contentar com a preguiça dos clichês. A direção de Rogério Gomes, o Papinha, fez a diferença, honrando o suspense ao fim de cada bloco e, em especial, de cada capítulo, com planos que fugiram do previsível e deram show em sequências de tiroteios e perseguições na favela.
- A série “Aeroportos”, no Discovery, aperfeiçoou e melhorou a proposta que antes se restringia aos socorros do helicóptero Águia.
- “Pesadelo na Cozinha”, com Erick Jacquin, foi perfeito, muito melhor que o original, que tem a fúria de Gordon Ramsay na linha de frente. Na versão da Band, a irritação do francês ganha um tom cômico, sem perder o respeito.
- O “Show dos famosos”, no “Domingão do Faustão”, foi delicioso de ver. Atores e cantores já consagrados se submeteram a coreografias e performances musicais em homenagem a grandes ícones da música, com acabamento digno do que a gente sempre cobrou do showbizz americano.
- “Conversa com Bial”, pena que no ar tão tarde, mostrou que o fato de o apresentador não ser exatamente um profissional oriundo do humor, como seus pares, aqui e nos Estados Unidos, foi um ganho para o talk show. Num momento em que os talk estão mais para show, Pedro veio ocupar um espaço gigantesco que os comediantes não podem contemplar, pela simples natureza de quem transforma tudo em piada. No novo programa de entrevistas da Globo, Bial foi rapidamente azeitando um formato que agrega os entrevistados a figuras que podem acrescentar repertório ao conteúdo do que seria uma entrevista individual, fazendo a diferença para outros programas do gênero. Se era um temor trocar a consagrada performance de Jô Soares por outro formato, aí está, a escolha por Bial foi bem acertada.
- Ainda nesse contexto dos talk shows, convém notar que o “Programa do Porchat” se livrou um pouco dessa necessidade de ser sempre engraçado, para dar a determinados entrevistados a seriedade que a reflexão pede. O programa melhorou, colocou-se de modo mais relevante para o debate nacional e hoje é, seguramente, uma das raras coisas que ainda valem a pena serem vistas na Record.
- O lançamento dos canais Gloobinho e a Nat Geo Kids é uma dupla vantagem para o menu pré-escolar.
- “Malhação – Viva a Diferença” mostrou o quanto uma narrativa provocativa para a reflexão social pode ousar, sem risco de perder público – ao contrário. A novela ganhou sua primeira temporada em São Paulo enaltecendo as diferenças sociais, de cor e raça, sem perder o interesse do público, que lhe deu recordes de audiência. É tão boa, que não dá vontade de trocar de temporada no ano que vem aí. Pode continuar como está?
- “Lady Night”, com Tatá Werneck, é de desopilar a alma e ainda flerta com as chances que uma mulher tem de fazer graça invertendo o papel que sempre lhe coube, ao assediar os belos rapazes que passam por seu sofá. Vida longa ao talk show da moça no Multishow.
- O contrário vale para o “Adnight”: ao tentar mudar cenário e proposta para a 2ª temporada, o programa só piorou. Como bem disse o colunista Flávio Ricco, do UOL, o programa pediu para sair do ar. É pretensioso no arsenal cenográfico, o que só piora seu propósito de ser engraçado, e vexatório para um gênio como Marcelo Adnet.
- Em momento de lacuna aberta para o debate político e social na TV, o “Greg News”, com Gregório Duvivier, na HBO, foi muito relevante. Você pode concordar ou não com ele, mas, bem acima da questão ideológica, o programa procurou abordar as mazelas das nossas manchetes por meio de fatos e dados reais, com a sátira que lhe é devida. Mas é mais um programa informativo do que de humor, e pede interesse do telespectador em ampliar seu repertório. Quem quer piada pronta e mastigada pode ficar com o pastelão da “Praça é Nossa”, no SBT, agora sem o Moacyr Franco.
- No mais, um brinde aos estrangeiros que tanto nos inspiram, como “Better call Saul”, “The Crown” e “Stranger Things” (Netflix), “Game of Thrones”, sempre (HBO) e que tais. Oxalá os gringos que agora investem em contratações por aqui possam dar às produções brasileiras o mínimo de confiança.
Que a bênção dos white walkers esteja conosco.