Netflix lança projeto para ampliar número de roteiristas negros e indígenas no Brasil
Depois de destinar uma verba para apoiar profissionais do mercado audiovisual que ficaram desamparados em função da desaceleração de produções impostas pela pandemia, em 2020 e 2021, a Netflix lança neste ano novos investimentos nos talentos locais. Nesta segunda-feira (5), o serviço de streaming pago mais visto do país apresenta uma nova iniciativa do grupo, agora direcionada a roteiristas negros e indígenas no Brasil.
Batizada como Segundo Ato, a aposta é alvo de um investimento de R$ 5 milhões só neste ano, como antecipa aqui o blog.
“Em 2020 e 2021, realizamos a doação emergencial de apoio à comunidade criativa brasileira, durante a pandemia, gerenciado pelo Instituto de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros (ICAB)”, lembra ao TelePadi a vice-presidente de Conteúdo no Brasil, Elisabetta Zenatti.
“Agora em 2022, estamos investindo R$ 5 milhões em programas de desenvolvimento de profissionais do mercado audiovisual, como parte do nosso compromisso com a indústria local –algo que tem sido constante desde que a empresa começou a produzir conteúdo no Brasil. São projetos que têm como objetivo colaborar com a expansão e aperfeiçoamento da rede de talentos locais e também impulsionar narrativas mais diversas e inclusivas a partir da aproximação, identificação e formação de pessoas de grupos historicamente sub-representados, como fizemos com o Colaboratório Criativo no ano passado”, completa.
Mais do que uma benevolência social da direção da Netflix, os propósitos do projeto Segundo Ato são uma demanda de mercado. A inclusão da diversidade tem sido pautada pela publicidade, canais e plataformas mais conectados à realidade, e tem sido alimentada principalmente por questões econômicas relevantes. Negros e pardos representam mais de 54% da população brasileira, e a ampliação do poder de consumo dessa maioria historicamente sub-representada tornou iniviável aquela invisibilidade de cor, sotaque e vivências que antes imperava nas telas.
A inclusão de indígenas nessa iniciativa também reflete, além da questão da representatividade e da pluralidade étnica, um olhar de atenção cada vez mais cobrado pelo mundo todo no âmbito da política ambiental.
PERIFERIA VIRA ÁREA NOBRE NA TELA
A própria Netflix experimenta em casa o efeito de abraçar a pluralidade ao ter apostado em um universo que pouco frequenta a nossa TV, e que quando aparece, normalmente é abordado de modo exótico ou sem conhecimento de causa: a periferia de São Paulo. “Sintonia” se tornou a série brasileira mais vista da plataforma, que reforça também nesta data suas apostas no programa Mais Brasil na Tela, ao anunciar novos títulos e temporadas de franquias já existentes no país, inclusive a 4ª temporada da própria “Sintonia”.
“É ótimo ver uma franquia local realmente se conectar com pessoas em todo o Brasil”, diz Zenatti sobre o êxito de “Sintonia”. Na avaliação da executiva, isso “é fruto de um olhar bem atento aos gostos” dos assinantes “e às histórias que mais se conectam com a realidade do brasileiro”. “É um exemplo incrível da conexão que nossas histórias estão criando com o público e de como oferecemos os melhores recursos para criadores e produtores (neste caso, [as produtoras] Kondzilla e Los Bragas, que nos trouxeram uma trama tão rica).”
Independentemente de ter perdido assinantes no último ano, a Netflix constatou que “os brasileiros estão passando mais tempo do que nunca assistindo a filmes, séries e documentários nacionais” no seu menu, como informa Zenatti.
É nesse contexto que serão anunciados logo mais novas produções nacionais em formatos variados, todas entrando em fase de gravações ainda este ano, como antecipamos na coluna Zapping. Entre eles, estão quatro produções inéditas: a série de ação sobre investigação criminal “DNA do Crime”, a série de comédia “B.O.”, o filme “Meu Cunhado é um Vampiro” e o especial “Whindersson Nunes: Isso não é um culto”.
Os títulos se juntam à minissérie de ficção inspirada na tragédia que ficou mundialmente conhecida como chacina da Candelária, já em gravação. A obra acompanha quatros crianças de lares desestruturados, que encontram nas ruas do Rio de Janeiro e na companhia mútua uma forma de tocar a vida e alimentar seus sonhos na medida do possível.
A plataforma também confirma a continuação das franquias “De Volta aos 15″, “A Sogra Que Te Pariu” e uma 3ª temporada de “Casamento às Cegas”, além de uma segunda safra de “Ricos de Amor” e da já citada 4ª temporada de “Sintonia”.
ALGORÍTMOS À PARTE
Em entrevista ao blog por e-mail, Zenatti assegura que a tão alardeada ditadura dos algorítmos na criação das produções da plataforma não fica acima da sensibilidade de seus criadores, prevalecendo “a intuição humana” e as “experiências –aprendemos constantemente com nossos erros e acertos!”, diz a executiva. “Não há dados que nos recomendariam fazer uma série de época sobre uma jovem prodígio do xadrez, como O Gambito da Rainha”, exemplifica, “ou um filme que gira em torno das reviravoltas da vida de um jovem ao buscar uma oportunidade de trabalho em São Paulo, como em ‘7 Prisioneiros’.”
“Como em todo tipo de arte, o importante é a potência da ideia principal e a equipe criativa por trás dela. É por isso que trabalhamos tanto para encontrar os melhores talentos, além de dar a eles todos os recursos possíveis para que contem suas histórias da melhor maneira e, com isso, se conectem emocionalmente com a nossa audiência.”
Pesa, nesse caso, “a potência criativa (narrativa e talentos)”, mas também o que ganha rapidamente o coração da audiência. “Os nossos assinantes têm gostos e estados de espírito variados, humores diferentes e nem sempre querem assistir a um mesmo gênero ou formato o tempo todo. Às vezes, você quer escapismo; outras vezes, prefere ver um documentário realista. Por isso, nossa oferta de conteúdo também precisa ser variada.”
“Nosso foco e nossa estratégia sempre foram nossos consumidores, que nos contam o que querem assistir através das suas escolhas –e isso nos guia no momento de decidir por novas temporadas. Mas, além da continuação de suas histórias favoritas, apostamos em novos conteúdos, formatos, criadores e também vemos um interesse do público nisso. As pessoas querem ver coisas novas, que lhes surpreendam e retratem algo da vida deles pela primeira vez.”
Quando lhe pergunto em que medida o perfil de público da Netflix se assemelha hoje ao da TV linear, principalmente a TV aberta, que ainda retém a plateia de massa no Brasil, Zenatti diz que a plataforma não tem essa informação. “Solicitamos apenas um e-mail e a forma de pagamento durante a inscrição e não olhamos nesses termos. Nosso foco é ser o melhor serviço de entretenimento para todos nossos assinantes, por isso o investimento em uma oferta tão variada.”
No último fim de semana, pesquisas do instituto Nielsen apontaram que o consumo do streaming ultrapassou pela primeira vez o da TV linear nos Estados Unidos. A inversão de TV aberta por streaming é um cenário ainda improvável no Brasil, lembrando que o mercado americano sempre foi mais promissor que o nosso no consumo pago de TV. Mas os dados não deixam de apontar uma tendência de fragmentação maior no modo de ver televisão, especialmente a se considerar que a Netflix vem desenvolvendo estudos para criar mensalidades mais em conta, sustentadas pela inserção de publicidade.
“Ainda não temos nada definido para o Brasil. Ainda estamos em fase inicial sobre como lançar a opção com publicidade a preço mais baixo e nenhuma decisão definitiva foi tomada ainda”, afirma Zenatti. “2022 tem sido um ano de muito investimento na nossa oferta local e temos visto o maior consumo de conteúdo local por nossos assinantes no país. Nesse sentido, temos um retorno muito bom no que se refere à conexão emocional com nossas histórias brasileiras e com o impacto positivo de ver suas vidas refletidas na tela.”
“Ainda que o cenário hoje seja muito diferente de quando começamos, uma coisa não muda: nosso compromisso com a indústria nacional. O Brasil é parte fundamental da nossa estratégia.”