Nova novela das seis, ‘Tempo de Amar’ é (bom) folhetim na essência
Escrever sobre novela nova com base em um único capítulo é uma ansiedade compreensível da mídia – todo mundo quer ser o primeiro a comentar a respeito de uma história que acaba de chegar. Veja as séries dos serviços de streaming: elas não sofrem disso. Se não for a uma première, o crítico pode avaliar a obra com base em mais de um capítulo. Novela, não. E faz todo sentido: é necessário tentar fisgar a audiência já no primeiro dia.
Venho agora, com uma semana vista de “Tempo de Amar”, novela de Alcides Nogueira que ocupou a vaga da bem sucedida “Novo Mundo”, fazer uma avaliação do que lá está. Se tivesse de escrever sobre ela com base no primeiro capítulo, confesso, faltaria-me o entusiasmo que agora me traz aqui: aí está um novelão, em sua essência, com todos os elementos merecedores de um folhetim, e todos bem trabalhados.
Os personagens do Rio, ainda secundários para o par central, são mais interessantes que o casal do amor impossível de Portugal, Maria Vitória e Inácio. Os intérpretes, nomes em lançamento, o que é sempre um ato de coragem do diretor Jayme Monjardim, não me ganharam no primeiro dia, mas já parecem menos insossos. Donos de uma beleza deslumbrante, Vitória Strada e Bruno Cabrerizo carecem nitidamente de um Tony Ramos, de uma Nívea Maria e de uma Letícia Sabatella por perto, para amparar-lhes e compensar a falta de capacidade em comover e se comover. Falta-lhes em expressividade o que sobra em beleza, e o caso é mais grave com relação ao rapaz.
Autores e diretores investem no primeiro capítulo uma atenção mais que redobrada, mas é complexo apresentar todas as tramas em um só episódio, e vamos considerar que novela das seis é mais curta, tem lá 40 e tantos minutos, quando muito. Em compensação, o segundo capítulo inevitavelmente traz a ressaca e a audiência esfria um bocadinho.
“Tempo de Amar” vai na contramão dessa regra: do primeiro ao quinto capítulo, a temperatura da história só cresceu. O texto é irrepreensível desde o primeiro instante, e não é fácil ser fiel ao rigoroso linguajar da época, sem afastar a plateia que hoje se apressa em abreviar até as palavras mais curtas. Pois Alcides Nogueira, dito Tide, consegue botar na boca da falsa boazinha Delfina (já vejo Sabatella como uma Juliana de “O Primo Basílio”, a criada que usufrui da informação como poder de barganha) a expressão “Um casal empertigado”. Que deleite ouvir essa palavra dita assim, “empertigado”, em plena novela, ao alcance de todos.
Os diálogos de Madame Lucerne, personagem que nos traz uma cativante performance de Regina Duarte, a dona do cabaré no Rio, são dignos de fazer o espectador tomar nota, não só pela forma, mas também pelo conteúdo, abastecido de ensinamentos. “Ela não precisa de elogios, já deixo muito dinheiro lá”, diz à discípula, personagem de Maria Eduarda de Carvalho, sobre a modista que lhe vende os trajes usados por suas meninas e por ela, em serviço. Encantada com os vestidos, a novata não entende a frieza da mestra diante do desfile. E Madame ensina: “Eu nunca permito que quem me serve se torne íntimo de mim”.
O empoderamento feminino, bandeira muito atual, aparece em tons nítidos, dado o atraso sofrido pelas mulheres na época, e Tide mais uma vez tira bom proveito da questão. “Mulher não tem que querer”, diz à mocinha o pérfido Fernão (Jayme Matarazzo, em seu primeiro personagem do mal). “Eu tenho”, responde Maria Vitória. Madame Lucerne também trafega nessa militância, assim como a fadista Celeste Hermínia (Marisa Orth), que dá de ombros às fofocas sobre seu romance com o homem casado com uma mulher doente.
Entre tantos dramas, a trama respira bem pela leveza do personagem de Nelson Freitas, que destrói a inveja proferida por sua mulher, papel de Débora Evelyn, mais uma vez vivendo uma figura à beira de um ataque de nervos. Já reparou como a Débora Evelyn sempre expressa angústia só por meio de uma aflição no olhar? É de desanuviar a tensão do público, que vê nela alguém mais desesperado que a si, exorcizando seus males.
E o sotaque? Bem, embora o acento de Portugal não seja a tônica, há um resquício luso muito sutil no modo de falar de Sabatella e Nívea Maria, assim como Regina Duarte e sua modista flertam com o francês, como convém não só ao ofício de cada uma, mas também àquele Rio de Janeiro que ainda ostentava a posição de capital do país em suas rodas mais chiques, pretensiosas, melhor dizendo.
Cenários, locações, direção de arte e figurino fazem a alegria dos profissionais das respectivas áreas: como não nadar de braçada no requinte que retrata os anos 20? É tudo de encher os olhos. Para autor e diretor, a vantagem é encontrar pouca gente capaz de dizer que isso não era assim ou era assado, como acontecia bastante durante “Os Dias Eram Assim”, de uma época bem mais recente.
Mas tem mais: há uma vantagem imensurável em fazer novela de época e poder surfar nos desencontros de um tempo em que telefone, celular, internet e DNA eram pura ficção científica. O mocinho Inácio vai para o Brasil sem saber que sua amada espera uma filha dele, e suas cartas não chegam às mãos dela, interceptadas que são pela peste da Delfina. Está feito o conflito. O celular e o exame de DNA, afinal, mataram um pouco o encanto dos desencontros da ficção, e se não mataram a novela, por completo, tornaram a vida de seus criadores muito mais difícil.
As falhas na comunicação daquele tempo, aliás, são a salvação do par central por uma torcida mais animada para o casal, uma reação esperada a tantos conflitos a serem enfrentados pelos dois.