Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

O dia em que Silvio Santos emprestou sua maior estrela à Globo

Mario Lago e Ana Paula Arósio em 'Hilda Furacão' / Divulgação

A volta da bela minissérie “Hilda Furacão” por meio do GloboPlay, nesta segunda-feira (19), remete a um dos episódios mais improváveis da TV brasileira: o “empréstimo” da estrela de uma emissora a sua maior concorrente, e uma concorrente que sempre gozou de larga vantagem na disputa pela audiência.

Nem se pode chamar o caso de empréstimo, já que nunca houve uma contrapartida, digo, Silvio Santos cedeu Ana Paula Arósio, que era contratada pelo SBT na época, para a Globo, sem que a Globo jamais tenha cedido algum artista seu, nem de primeira nem de décima grandeza, para protagonizar qualquer produção no SBT.

Em 1998, Ana Paula Arósio não era apenas uma grande grife do SBT, era também a deslumbrante jovem modelo transformada em atriz por iniciativa da emissora. Diretor de teledramaturgia da casa entre 1993 e 2000, o melhor período das produções do SBT nesse campo, Nilton Travesso providenciou um curso para ela, que passou a frequentar as aulas de Beto Silveira, ex-professor da Oficina de atores da Globo e discípulo de Eugênio Kusnet, que era, por sua vez, discípulo de Stanislavski.

Acompanhei todo esse processo à época e fui testemunha dele: como fiz também uma novela no SBT nesse período, “As Pupilas do Senhor Reitor”, fui colega de classe de Ana Paula nas aulas de Beto Silveira. Ela era aluna dedicada, na ocasião ainda menor de 18 anos e sempre acompanhada pela mãe, Claudete, que a aguardava no hall do Espaço Ruth Rachou, na Vila Olímpia, onde Silveira ministrava suas aulas então.

Assim como aconteceria anos mais tarde com Larissa Manoela, para quem Silvio disse, no ar, durante uma edição do Troféu Imprensa, que seu destino era a Globo, o patrão sabia que perderia Ana Paula para a empresa que concentra o maior volume de trabalho do país para atores e dramaturgos.

Mas o episódio de “Hilda Furacão” é também improvável visto pelo ângulo da Globo, emissora que sempre se impôs como soberana e autossuficiente, de preferência discreta quando cobiçava talentos alheios e, mais, ciosa de não infringir códigos éticos que desaconselham a contratação de profissionais com acordos em vigência na concorrência.

E não é que o trato foi feito de uma forma raramente tão civilizada? Com menos de um ano de contrato a cumprir pelo SBT, Ana Paula foi para a Globo, assumiu a identidade de Hilda Furacão, uma prostituta que Roberto Drummond  levou da zona boêmia de Belo Horizonte para um livro, base da adaptação de Glória Perez para a TV.

Encerradas as gravações, Ana Paula voltou para o SBT e ainda gravou episódios especiais de Teleteatro (sim, o SBT já teve teleteatro baseado em clássicos na programação), até o fim de seu contrato, que veio logo. Foi então que, como já se esperava e era praticamente combinado, com anuência das duas partes, ela se mudou de vez para a Globo, onde protagonizou, ainda em 1999, a saga de Giuliana, imigrante italiana impregnada de “amore mio” pelos diálogos de Benedito Ruy Barbosa em “Terra Nostra”.

Ana só deixou a Globo em 2010, após a direção da emissora tentar lhe imputar um castigo público porque ela havia se ausentado das primeiras gravações de “Insensato Coração”, novela de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. Após deixar de viajar para comparecer a um set fora do Rio, no sul do país, a atriz teve sua demissão da trama anunciada pelo diretor do folhetim, Dennis Carvalho, como uma cabeça exposta em praça pública.

Em vez de contestar, ela devolveu a atitude da Globo com um pedido de rescisão de contrato. E nunca mais voltou para a TV, a não ser em breves intervalos comerciais muito bem pagos, como vimos recentemente com o Santander.

Os motivos de Ana Paula para se afastar dos holofotes são quase tão secretos quanto as razões de Hilda ao virar sua vida do avesso, mas o turbilhão do sucesso veio muito cedo para ela, que atravessou momentos difíceis no plano pessoal, em boa parte em razão do assédio gerado pela fama.

AO ENREDO DE ‘HILDA’

Com um grande elenco de pelo menos 57 nomes, como Paulo Autran, Rodrigo Santoro, Mario Lago, Eva Wilma, Rogério Cardoso, Arlete Salles, Débora Duarte, Eloísa Mafalda, Paloma Duarte, Chico Diaz e Tarcísio Meira, que à época era quase sogro de Ana Paula, namorada de Tarcísio Filho, “Hilda Furacão” conta a história da verdadeira Hilda, mulher que estava pronta para se casar, quando uma cartomante mudou seu destino com uma revelação. Do interior de Minas, ela seguiu para Belo Horizonte, onde foi trabalhar em um prostíbulo.

O público não sabe o que levou Hilda a se tornar prostituta. Cercada por prostitutas, vagabundos, travestis e cafetões, ela entra no Maravilhoso Hotel e passa a ocupar o quarto 304. Todos queriam Hilda, homens poderosos ou nem tanto, era fila na porta.

Frei Maltus (Rodrigo Santoro), candidato a santo –e, nesse ponto, não há lugar melhor para essa história ser contada do que em Minas– acredita que pode realizar um milagre: exorcizar o demônio que habita Hilda Furacão e resgatar a boa alma daquela mulher.

Santoro como frei Maltus / Reprodução

Os dois se apaixonam. Mentor de Maltus, padre Nelson (ninguém menos que Paulo Autran, em um de seus raros trabalhos na TV), percebe a paixão contida entre Hilda e seu pupilo, e adverte o frei sobre ficar longe do vinho e das mulheres para alcançar a santidade.

Esse cenário, que conta ainda com Eva Todor, Matheus Nachtergaele, Luís Mello, Danton Mello (alter-ego de Roberto Drummond) e Thiago Lacerda (em seu lançamento na TV) é um banquete para se discutir moral, bons costumes e hipocrisia. E há ainda o contexto da ditadura militar, aquela que boa parcela dos brasileiros insiste em acreditar que não aconteceu.

Por todos os aspectos, de bastidores, pano de fundo, produção e história, “Hilda Furacão” é uma ótima pedida, em um formato que a Globo aos poucos foi abandonando, com 32 episódios, quase uma maxi série. A direção é de Wolf Maya.

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Cristina Padiglione

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