‘O público guarda o que é bom, esquece o que é ruim. A memória é muito afetuosa’: Gilberto Braga no Viva
Em tempos que ditam estratégias de discurso para se produzir uma boa imagem pessoal, é um alívio encontrar figuras públicas que ainda zelam pela honestidade intelectual, gente que fala o que fala sem medir se isso fará bem ou mal à sua imagem, gente que talvez não precise provar nada além do que suas histórias já se encarregam de contar, e talvez, por isso, dispensem preceitos de marketing barato.
É nesse contexto que vale a pena saudar as entrevistas já exibidas pela série “Donos da história”, que o canal Viva vem exibindo há duas semanas, com grandes depoimentos dos autores mais relevantes da nossa teledramaturgia.
Depois de Manoel Carlos e Aguinaldo Silva, o programa traz, na próxima edição, um relato sincero de Gilberto Braga, alguém que não se acanha em fazer autocrítica. “O público guarda mais o que é bom, e esquece o que é ruim. A memória é muito afetuosa”, comenta Gilberto. E dispensa rodeios para autocrítica: “‘Dancin’ Days’ tem coisas horríveis, capítulos dos quais me envergonho. ‘Água Viva’ tem menos, mas também tem. ‘Brilhante’ tem coisas horrorosas que tive que tirar do ar correndo. Mesmo ‘Vale Tudo’ tem uma parte muito fraca.”
Para a surpresa de quem tanto cultua o autor de “Vale Tudo” e “Dancin’Days”, ele diz que considera “Insensato Coração” sua melhor novela, pela ausência de barriga (período em que nada acontece num folhetim). E se justifica: “As histórias têm interesse o tempo todo! Por isso, considero a melhor novela que fiz. Duvido que me mostrem um capítulo do qual vá me envergonhar”.
Quem concordaria com isso?
A edição valoriza cenas antológicas, personagens de peso e tramas realistas com críticas sociais de sua obra, com depoimentos de Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg, Antonio Fagundes e Malu Mader, emocionando o homenageado.
“Oportunismo é um defeito”, diz Gilberto, “mas, como sou, fiz muita análise para ter vergonha dos meus defeitos. Fui (oportunista) várias vezes na minha carreira e acabou dando certo”, conclui.
Formado em Letras, o carioca Gilberto Braga trabalhou como crítico de teatro e cinema do jornal “O Globo” até descobrir a paixão pela teledramaturgia. Sua estreia como autor foi em 1972, quando escreveu um episódio de “Caso Especial”. A primeira telenovela veio dois anos depois: “Corrida do Ouro”, com a parceria dos já renomados Janete Clair e Lauro César Muniz. Em 1975, ele foi responsável pela adaptação de dois clássicos romances: “Helena” e “Senhora”.
Com “Escrava Isaura”, em 1976, ganhou ainda mais notoriedade como autor. Em seguida, escreveu “Dona Xepa”. O ano de 1978 marcou sua carreira com a estreia de “Dancin’ Days”, uma das principais novelas brasileiras. “Água Viva” veio na sequência, em 1980, de uma parceria com Manoel Carlos. Ao longo da década, lançou as produções “Brilhante” (1981), “Louco Amor” (1983), “Corpo a Corpo” (1984), “O Primo Basílio” (1988), e a bombástica “Vale Tudo” (1988), que parou o país. E Gilberto Braga começou os anos 1990 com o pé direito, colaborando em “Rainha da Sucata”, de Silvio de Abreu. Depois de “Vale Tudo”, o autor reaviva o tema “corrupção no país” e cria uma trilogia com “O Dono do Mundo” (1991) e “Pátria Minha” (1994). Outras novelas de destaque: “Celebridade” (2003), “Paraíso Tropical” (2007) – em parceria com Ricardo Linhares -, “Insensato Coração” (2011) – também da dupla -, e “Babilônia” (2015), ao lado de Ricardo e João Ximenes Braga.
Gilberto conta que batalhou pelas tramas centrais das revolucionárias “Dancin’ Days” e “Vale Tudo”. “Na primeira, fiz a sinopse sobre a relação de duas irmãs que disputavam o amor de uma menina. Uma era mãe de verdade e a outra de criação. Aí o Boni achou que não tinha novidade nenhuma. Fiquei desesperado. Daniel [Filho] me aconselhou: ‘Entrega de novo a sinopse, onde está escrito boate, você coloca discoteca e bota em letra maiúscula’. Em “Vale Tudo”, mais uma vez, Daniel disse que o Boni não ia aceitar porque não tinha nenhuma novidade. Insisti muito porque confiava na história. Acabei tendo permissão e tinha razão: Foi um sucesso!”.
O autor não pensa em escrever de novo para o horário das 21h. “Já estou com 71 anos, acho uma responsabilidade muito grande. É muito tenso. A das 23h é mais fácil, porque tem menos censura, além de ser um número menor de capítulos, não é todo dia.”.
As minisséries “Anos Dourados” (1986) e “Anos Rebeldes” (1992) também são um marco da trajetória de Gilberto, que enfatiza: “Para o homem, a carreira é muito importante. Se a gente é feliz no trabalho, tem pelo menos metade dacoisa resolvida. E eu fui muito feliz no meu. Apesar do sucesso das minisséries, devo o meu sucesso às novelas, que representam, então, a minha carreira. O Daniel Filho tinha razão, eu tinha jeito para escrever novela…”.
Donos da História, no Viva
Horário principal: domingo, dia 21 de maio, às 18h30
Horários alternativos: domingo, dia 21 de maio, às 3h; sábado, dia 27 de maio, às 18h30; e domingo, dia 28 de maio, às 18h