‘O Sétimo Guardião’ traz frescor ao folhetim
Uma mão salta da xícara de café. Uma menina ruiva, pele de porcelana, vê o que ninguém enxerga. Um gato transmite recados e sela destinos.
Elementos sobrenaturais, com pitada de terror e suspense, marcam “O Sétimo Guardião”, a nova novela das nove da Globo, com itens que raramente frequentam o horário. De Aguinaldo Silva, criada a partir de sugestões coletadas em um grupo de alunos de uma de suas masterclasses – como bem informam os créditos finais – e acrescida do DNA que marca a trajetória do escritor no realismo fantástico, o folhetim se faz notar ainda, e como se faz, por uma direção primorosa, assinada por Rogério Gomes, o Papinha.
Serro Azul não se apresenta como mera cidade cenográfica plantada em milhares de metros quadrados no terreno dos Estúdios Globo em Curicica, no Rio. Longe disso. Há profundidade física na cenografia e na edição que junta aos limites fictícios as montanhas a perder de vista das serras mineiras, onde as primeiras cenas foram gravadas. Imagens da Serra da Canastra emolduram o padre de Ailton Graça, metido em sua batina e montado na sua bike estilizada, em uma sequência em que o sujeito só não falaria com Deus se não quisesse, dada a conexão direta que ali se apresenta com os céus.
As câmeras espantam a preguiça do plano e contraplano, esgueirando-se sobre trilhos que fuçam o foco dos novos cenários do horário, da fonte d’água que seduz com seu azul iluminado, aos apetrechos que cercam a sensitiva vivida por Zezé Polessa,uma das guardiãs da fonte.
O capítulo inicial mereceu uma narrativa sem pressa da saga que destina a sete guardiães a segurança sobre o segredo da tal fonte, tratado como o maior tesouro do mundo. Bruno Gagliasso vai quase dando seu último suspiro, quando, num momento Uma Thurman, coberto de terra, é socorrido pela doce Marina Ruy Barbosa.
Tony Ramos jura vingança a Lilia Cabral, em um embate que promete alimentar a bílis do público. E o próprio grupo dos guardiães denuncia a ganância de uns e outros, a começar pelo prefeito de Dan Stulbach.
Temos elementos suficientes para brincar com os pecados capitais da vida real em uma história permeada pelo absurdo. Bom sinal de entretenimento inteligente pela frente.
Não se pode deixar de notar, logo no início do primeiro capítulo, a valorização em cena de uma imponente escadaria, cenário que vem aproximando Aguinaldo Silva de Brian de Palma na obsessão por degraus como indício de perigo. Nazaré (Renata Sorrah) empurrava suas vítimas escada abaixo, e matou até personagem de Tarcísio Meira dessa forma (“Senhora do Destino”), enquanto Tereza Cristina (Christiane Torloni) arremessava também seus adversários de seu pedestal. Agora, se o capítulo inicial não for mero acaso, Lilia Cabral tem o perfil ideal para imitar as antecessoras na galeria de vilãs do autor.
A audiência respondeu modestamente (para os padrões Globo, bem entendido), mas não de maneira fraca. Foram 33 pontos de média na Grande São Paulo, onde cada ponto equivale a 71,75 mil domicílios) e 33 no Rio
Há que se chamar a plateia para os novos elementos aqui citados, e não vai ser tarefa fácil tirar o público de sua zona de conforto, mas não é tanto assim. A fórmula composta por amores impossíveis e conflitos humanos que assegura vida útil ao folhetim está toda ali, até para não espantar o espectador mais acomodado e interessado justamente nessa passividade que determina a relação entre a tela e o sofá. O frescor está na alegoria da obra, o morango do bolo (que a cereja, de fato, vamos combinar que ninguém come). É daí que se há de tirar a vontade de encontrar algo diferente na novela das nove.
Bastidores judiciais
Em tempo: após alguma batalha judicial e muitas trocas de acusações entre Aguinaldo e seu ex-aluno, Silvio Cerceau, que reivindicava o reconhecimento da criação da sinopse como obra criada durante a masterclass de roteiro da qual participou, com mais 26 alunos, a Globo cedeu à exposição dos créditos de todos os aprendizes no fechamento do capítulo. A possibilidade de inserir esses nomes na ficha de créditos foi noticiada por este TelePadi em primeira mão, em 19 de setembro. Mas, à época, embora o autor falasse sobre isso, a direção da Globo ainda não tinha confirmação se o faria.
A ideia inicial era que isso ocorresse só no fechamento do primeiro capítulo, mas nas reivindicações de Cerceau, constava ainda a que os créditos estivessem na tela durante a novela toda. Nesta segunda-feira, ao fim da estreia e diante da conquista consumada, vários colegas de Cerceau, incluindo alguns que o criticaram pela briga, comemoravam, nas redes sociais, a presença de seus nomes nos créditos.