O Taxista e o Cientista
Por Fernando Fraiha (*)
Foi lendo “O Mundo Assombrado Pelos Demônios”, de Carl Sagan, que entendi que precisávamos criar conteúdos infantis sobre ciência. Sagan começa seu livro contando sobre um dia em que foi reconhecido por um taxista que era supostamente fã de ciência. Honrado com a presença de um cientista, começou a falar sobre os fatos que o inquietava, e Sagan logo percebeu que debatia com mais um fã da pseudociência.
A conversa girou em torno de extraterrestres congelados pelo governo, cristais, canalizações, Atlântida e Lemúria. Conforme Sagan educadamente pontuava a falta de evidências para cada um dos tópicos levantados, o taxista ficava mais e mais frustrado.
No livro, Sagan reflete sobre a curiosidade e interesse do taxista que foram inteiramente preenchidos por narrativas fantásticas e irreais. O taxista não tinha sequer uma única informação sobre ciência moderna, mas tinha um apetite natural pelas maravilhas do Universo. Queria conhecer a ciência, mas todo possível conhecimento científico se perdeu nos filtros sociais que o separavam da informação. Fatos fantásticos e reais como o gás frio e rarefeito descoberto entre as estrelas e pegadas de nossos antepassados encontradas em cinza vulcânica de 4 milhões de anos não estavam disponíveis e acessíveis ao motorista.
Em nosso tecido social, diversas narrativas disputam por adeptos. Das inúmeras batalhas que presenciamos diariamente, poucas me parecem tão injustas como a ciência versus a pseudociência. Pessoas inteligentes e curiosas que dependem da cultura popular para se informar sobre questões científicas têm uma probabilidade de centenas ou milhares de vezes maior de encontrar em uma fábula criativa e aparentemente coerente a resposta para seus anseios do que em hipóteses testadas e estudadas através do método científico. E a causa desse fenômeno não pode ser atribuída exclusivamente ao taxista. O conhecimento científico é hermético, não atrativo e não pode fazer escolhas narrativas orientadas pensando no impacto emocional do seu ouvinte, como a pseudociência.
Considerando que nossa sociedade é afetada diretamente pela ciência, mas tem pouco conhecimento científico, como tomamos decisões inteligentes sobre nossas próprias vidas? Ou até: como criamos políticas nacionais? Muito se fala sobre bancadas militares, de ruralistas, de religiosos, mas existe preparo científico nessas bancadas para tomada de decisões técnicas que interessam a todos nós?
Existe uma bancada de cientistas? Decisões sobre matrizes energéticas, sobre regulamentação sanitária da pecuária, sobre combate à poluição, sobre aborto, etc… são tomadas com que base? Como nossos representantes são instruídos? Quais fundamentos que orientam nossa sociedade?
Nos Estados Unidos, o presidente sugeriu que desinfetantes poderiam ser aplicados no organismo dos infectados de Covid-19 para destruir a camada de gordura que protege o vírus Sars-Cov-2, causador da doença. Mais de 2 mil casos de envenenamento por desinfetante foram registrados no dia seguinte apenas no estado de Illinois.
Foi pensando no impacto que os conteúdos que difundimos causam na sociedade e muito motivado em despertar o desejo pela ciência que idealizamos a série do “Franjinha e Milena: em Busca da Ciência”. Tivemos muita sorte de agregar pessoas incríveis que embarcaram no projeto de corpo e alma, como Ronaldo Lemos (meu amigo mais inteligente), Instituto Serrapilheira (que financiou o desenvolvimento e nos apresentou aos cientistas mais incríveis que poderíamos ter conosco), a Biônica Filmes (minha produtora em sociedade com Bianca Villar e Karen Castanho), o Daniel Rezende (nosso super supervisor artístico), o Mauro D’Addio (o grande roteirista e diretor da série), a Cartoon Network e claro, o Mauricio de Sousa com toda sua equipe.
A ideia de fortalecer personagens nacionais que amam a ciência como Franjinha e Milena intenta inspirar as crianças a sonharem e se divertirem com aquilo que possibilitou a humanidade dar um de seus maiores saltos: a ciência.
(*) Fernando Fraiha é diretor, roteirista e produtor. Em 2017 foi reconhecido como Melhor Diretor na 20ª edição do Brooklyn Film Festival com o filme “La Vingança” (2016), mesmo festival que premiou seu novo filme, “Bem-Vinda, Violeta”com o SPIRIT AWARD. É um dos diretores e roteiristas da série “Ninguém Tá Olhando” (2019), da Netflix, que recebeu o prêmio de Melhor Comédia no Emmy Internacional de 2020. Como membro da TV Quase, é diretor do CHOQUE DE CULTURA. Fraiha ainda é um dos sócios fundadores da produtora Biônica Filmes e assina a concepção da série “Franjinha e Milena em Busca da Ciência”, produção em live action para a HBO Max, ainda sem data de estreia definida.
** Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é o cineasta Fernando Fraiha.