Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Pico da Neblina’ é original ao usar maconha para cutucar a corrupção

Dois universos em sociedade: Luiz Navarro, o Biriba, e Daniel Furlan, o Vini / Divulgação

Bem que o diretor Quico Meirelles e os atores de “Pico da Neblina” disseram que a maconha seria só um pretexto para abordar outras questões na nova série nacional da HBO. Ao fim de sete episódios já exibidos desta primeira temporada, é  possível afirmar que a suposta legalização da cannabis abre caminho para uma reflexão muito mais profunda, que esbarra diretamente no cacoete da corrupção no Brasil, de um modo bastante original. Mais que isso: a história nos dá alguma dimensão, e isso é assustador, do quão travados estão os mecanismos para a ascensão social e a consequente redução da desigualdade no país.

Dito assim, parece uma viagem tratar desses problemas numa trama que começa com a venda oficial da erva, mas as camadas da série vão conduzindo o espectador de maneira muito competente por extratos que normalmente são muito mal retratados na ficção e no jornalismo. Não temos ali o mero rótulo do marginalzinho que se corrompeu porque não teve outra chance na vida. Ao contrário, temos a dimensão da dificuldade, digna de heroísmo, que alguém nascido nos becos enfrenta para sair daquele buraco.

Assistir “Pico” pede que o espetador esteja preparado para encontrar o mal entre os cidadãos que se dizem “de bem”, o que a gente sempre espera, mas nem por isso se pode esperar que os rotulados como malvados sejam bonzinhos e vice-versa.

Desgraçados não escolhem parentesco nem vizinhança para se darem bem às custas do próximo. Nesse contexto, o enredo costura uma dualidade muito bem-vinda nesses tempos em que as pessoas não conseguem enxergar fora de suas bolhas, reivindicando sempre para si a razão e as melhores intenções, nem que estejam a trafegar pelo inferno.

Com argumento de Cauê Laratta, que assina o roteiro com Chico Mattoso, Marcelo Starobinas e Mariana Trench, a história é protagonizada por Luis Navarro, o Biriba, traficante que nunca gostou de vender pó (“não vou vender veneno”, diz). Filho de bandido e disposto a escapar das estatísticas de seu ambiente, Biriba incentiva o estudo das sobrinhas e viver na “legalidade”, o que, veremos, não depende só de sua vontade.

Com a legalização da maconha, ele decide usar seus conhecimentos para vender o produto dentro da lei, tendo como sócio um de seus clientes, Vini (Daniel Furlan), filhinho de papai que já torrou alguns investimentos em negócios equivocados.

Um ponto alto é a surpresa que aguarda pelo espectador: você nunca faz ideia do que pode acontecer no minuto seguinte e se pega imaginando mil possibilidades para o personagem se safar das questões que o arrastam para a lama.

Quando traficava ilegalmente, Biriba tinha uma boa clientela, graças à habilidade de submeter a erva a um processo de gourmetização antes de embalar e vender seus pacotinhos entre os mais abastados. Morador da zona Leste, Biriba não encontra nem na própria mãe, vivida por Teca Pereira, o apoio para dar as costas para essa vida do crime que sempre sustentou a família.

Entre diálogos ótimos sobre classificações da erva, os motivos de quem cultiva e de quem consome, os meandros das facções criminosas das quais nosso protagonista tenta escapar, os chantagistas e os agiotas, temos também os criminosos que parecem agir na legalidade, com seus colarinhos brancos e gabinetes insuspeitos nas administrações municipais. Afinal, a maconha pode até ser legalizada, mas a capacidade de um fiscal em subornar comerciantes não conhece projeto de lei em Congresso.

Com Daniel Furlan, Henrique Santana, Bruno Giordano e Maria Zilda Bethlém e William Costa, uma revelação e tanto, como Piolho.

Com produção da O2 Filmes, “Pico da Neblina” se coloca entre as melhores séries nacionais da HBO, ao lado de “Filhos do Carnaval” (2001), “Mandrake” (2005) e “Destino São Paulo” (2012).

Faltam mais três para o fim desta safra, mas não sei como vamos sobreviver ao intervalo até a próxima temporada, dentro de um ano.

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Aqui, a minha conversa com diretor, produtor e atores da série:

 

 

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