Politicamente incorreta hoje? Viva faz advertência em ‘Da Cor do Pecado’
Lançada nesta segunda-feira (19), “Da Cor do Pecado”, novela de 2004, assinada por João Emanuel Carneiro, chegou ao encerramento de seu primeiro capítulo com uma cartela inédita na história de 11 anos do canal que reprisa produções antigas da Globo: um texto alerta: “Esta obra reproduz comportamentos e costumes da época em que foi realizada”.
Procurado, o canal explicou que a iniciativa começou por “Da Cor do Pecado”, mas foi também adotada para as demais novelas atualmente em exibição: “A iniciativa dessa cartela de contexto de época começou ontem em todas as nossas quatro novelas. Iniciamos no horário nobre, com a estreia de ‘Dar Cor do Pecado’, e estendemos para as demais”, esclareceu, por meio de nota. “A partir de agora vamos fazer isso em toda a programação. Como relembramos ao final da novela, nossas obras reprisadas reproduzem costumes e comportamentos da época em que foram realizadas, um retrato da sociedade que evolui – e de uma Globo que evolui junto com ela.”
O Viva não explica, no entanto, o que teria motivado esta decisão só agora, ocasionalmente na estreia de “Da Cor do Pecado”, que traz um outro dado inédito: o fato de o locutor omitir o nome da obra nas chamadas para a atração. Uma delas mostra Paco (Reynaldo Gianecchini) e Preta (Taís Araújo) em cena, com a voz do canal avisando apenas: “No segundo capítulo…” O áudio se abre então para os diálogos dos personagens e, ao final, o locutor apenas informa o horário de exibição, sem dizer o título da história.
“Da Cor do Pecado” é uma referência à protagonista, a primeira negra nas novelas da Globo. Há 17 anos, isso foi considerado um marco progressista no histórico de dramaturgia da emissora –mas não da TV: a própria Taís havia registrado esse feito pela extinta TV Manchete, em “Xica da Silva” (1996).
O título, afinal, remete à sexualização da mulher negra, vista antigamente (e ainda hoje, infelizmente, por muitos), como objeto sexual, principalmente pelos abusos cometidos na época da escravidão entre negros e o pecado. As famílias do Brasil colonial associavam a escravidão dos negros a uma espécie de “castigo divino”, ligado a supostos pecados de outras vidas.
Na história, Bárbara, a vilã de Giovanna Antonelli, refere-se a Preta como “neguinha”, algo que certamente seria atenuado hoje, mesmo na boca da malvada.
Caio Blat vivia um rapaz efeminado em uma família de marombados, e sofria bullying por isso, ainda que à base de humor, dentro da própria casa.
Nos dois casos, parece óbvia a intenção do autor de explicitar comportamentos equivocados para chocar o público e, quem sabe, fazer com que o público que pensava daquela forma pudesse se ver refletido em ações e reações a serem evitadas.
São abordagens muito diferentes, por exemplo, das contextualizações discutidas para obras como “…E o Vento Levou” ou de Monteiro Lobato, onde a negritude recebe um olhar de inferioridade explícito como algo absolutamente aceitável.
Já o título, sim, merece revisão de valores, à medida que pertence a uma lista de expressões por tantos anos ditas como algo normal, mas nascidas e criadas sob as raízes do racismo.
O blog convidou a atriz Taís Araújo a comentar essa contextualização e o significado de tudo isso à época. Assim aguardamos. João Emanuel comentou o assunto aqui.