Ponto vulnerável de Bolsonaro, Amazônia vira cartão internacional da Globo
Ainda restrita ao âmbito do Globoplay, a série “Aruanas”, enredo ficcional baseado na vida real que faz indígenas e ambientalistas duelarem com mineradoras na Amazônia, é o principal cartão-de-visitas da Globo no Mipcom. Estamos falando do principal evento no calendário televisivo mundial, feira de negócios na área do audiovisual, que reúne mais de 12 mil profissionais do mundo todo uma vez por ano e ocorre justamente nesta semana, em Cannes, no sul da França.
Os interesses sobre a Amazônia e a devastação descontrolada da floresta têm dado ao Brasil um protagonismo internacional sem pares nos últimos meses, até em função de o desmatamento ter avançado para quase o dobro (96%) em setembro, em relação ao mesmo mês do ano anterior, segundo dados mais recentes do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Pressionado por acordos e líderes internacionais, o governo Bolsonaro tem se movimentado para tentar reverter a imagem de responsabilidade sobre o descaso ambiental, o que rendeu gafes diplomáticas com a França e até a demissão do ex-chefe do Inpe.
É nesse contexto que a Globo promove a série de maior custo e complexidade do Globoplay até aqui. Filmada no coração da floresta, “Aruanas” foi traduzida para 11 idiomas e está disponível para 120 países por meio do Vimeo, serviço sob demanda via internet que é até bem acessível, mas ainda é pouco acessada. Daí haver espaço para negociar o título com distribuidores e programadores de maior alcance, apostando em um tema de grande apelo no momento.
Produção da Maria Farinha Filmes com assinatura de Marcos Nisti e Estela Renner, “Aruanas” tem uma abordagem claramente militante em favor da preservação dos interesses da floresta e seus povos. Não é à toa que o título tem patrocínio da Natura, empresa que estabelece uma relação comercial e social com mais de 5 mil famílias na região amazônica, com política de sustentabilidade, para fornecimento de matéria-prima de boa parte de seus produtos.
No elenco central estão Taís Araújo, Leandra Leal, Débora Falabella, Thainá Duarte (militantes da Ong Aruanas), Luiz Carlos Vasconcellos (o minerador malvado) e Camila Pitanga (lobista do minerador).
Yes, nós temos séries
Conhecida mundialmente por suas novelas, a Globo mantém a política dos últimos anos em Cannes, apresentando-se como uma produtora que também saber fazer séries de TV, moeda que tem se mostrado mais forte nas relações internacionais do comércio televisivo. Além de “Aruanas”, a lista prioritária do catálogo atualizado para este Mipcom inclui “Desalma”, série inédita com Cássia Kis, de apelo sobrenatural, filmada no Sul, e “Onde Está o Meu Coração”, com Letícia Colin, Fábio Assunção e Mariana Lima, em torno da dependência química, também inédita aqui.
Ainda na linha de frente do menu, estão a terceira e mais recente temporada de “Sob Pressão”, título já apresentado nos anos anteriores, com boa aceitação (até em função das temáticas universais envolvendo problemas sociais e saúde), e a segunda temporada de “Ilha de Ferro”, outra produção cara bancada inicialmente para o GloboPlay.
Só depois disso tudo aparecem as novelas e mininovelas da casa. Nesse quesito, a trama de maior potencial para exportação, considerando a safra mais recente de folhetins, é “Filhos da Terra”, de Duca Rachid e Thelma Guedes, história sobre refugiados, um drama que atinge o mundo todo.
Os demais canais abertos também participam do Mipcom, mais interessados na balança da importação de ideias e formatos do que propriamente na exportação. A Record leva suas novelas bíblicas, a Band, suas versões de Masterchef, uma parceria com a Endemol Shine, e o SBT oferece suas tramas infantis, sem grande expectativa de vendas.
Mas tirando a Globo, o estande brasileiro mais bombado no Mipcom é o da Bravi, associação que reúne mais de 600 produtoras independentes do país, com larga oferta de documentários, animações e séries em live-action. O movimento é fruto da boa produtividade gerada por meio da Ancine, a Agência Nacional de Cinema, nos últimos dez anos, aliada às políticas promovidas pela Lei da TV paga, de 2012.
A atual crise na Ancine deve se refletir já no próximo ano, mas, se não houver reversão do quadro atual, mostrará estragos maiores num prazo de dois anos. Atualmente esvaziada por denúncias que afastaram parte do seu colegiado, a começar pelo ex-presidente da agência, Christian de Castro, a Ancine segue sendo conduzida por uma única cabeça.
Com isso, os processos de aprovação para liberação de verba para novos projetos, que já não eram muito acelerados, ficaram ainda mais vagarosos.
Além disso, o atual governo tem criado empecilhos para produções que acredita serem impróprias para uso da verba administrada pela Ancine, mesmo sabendo que a maior parte dela vem de um imposto pago pelas teles (Condecine) justamente destinado a abastecer a indústria do audiovisual, que movimenta R$ 25 bilhões por ano.
Atualmente, o produtor interessado em inscrever seu projeto para obter financiamento via Ancine deve responder se o conteúdo da obra contém algo relacionado a ideologia, sexo e violência, restringindo o leque de criações e abordagens temáticas.