Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Por que a TV brasileira importa mais ideias do que exporta?

Luciano Huck comanda a versão local de 'Who Wants to be a Millionaire'/Divulgação

“Se o Brasil quiser entrar no mapa, tem que criar uma indústria de TV, uma indústria de entretenimento”.

A frase é de Elisabetta Zenatti, sócia da Sony na produtora brasileira Floresta e dona de um currículo que endossa grande conhecimento sobre o ramo, com quem o TelePadi conversou sobre o assunto.

Elisabetta Zenatti, sócia da produtora Floresta, faz um balanço sobre os prós e contras desse mercado

A Floresta traz para o Brasil formatos de sucesso mundial que possam despertar interesse dos canais locais, vindos da Sony, representada no país por ela, mas também de outras empresas. A produtora, no entanto, está bastante focada neste momento em criar atrações que possam ser formatadas para exportação.

A questão é: por que os canais no Brasil adoram importar formatos, mas mal sabem exportar suas ideias? A própria Globo, é bom lembrar, maior produtora e exportadora de audiovisual brasileiro, detentora dos melhores roteiristas de TV, tem um núcleo exclusivamente dedicado a formatar programas, mas não tem feito mais do que criar ideias para a própria grade, sem fôlego para a exportação.

Para incentivar a criação de uma indústria, nos moldes que Elisabetta cita, ela defende inclusive que a Ancine passe a abraçar projetos do gênero na lista de incentivos fiscais. A Agência, afinal, não concede um centavo a realities, games ou formatos internacionais adaptados aqui, nem quando se trata de uma boa dramaturgia, como foi o caso de “Sessão de Terapia”, série vista pelo GNT,  adaptada do original israelense.

“Se você quer criar uma indústria e quer fazer com que essa indústria viaje e seja reconhecida no mundo inteiro, tem que ter programa de entretenimento e entretenimento não necessariamente é cultura”, ela reforça. “Entre os grandes vendedores de formato no mundo, há a Holanda e Israel, que souberam criar uma indústria, com ‘Big Brother’, ‘The Voice’, ‘SuperStar, esses quadros que estão em programas do domingo vêm todos de Israel, eles botaram Israel no mapa, inclusive as ficções – ‘Homelad’ virou gigante, foi feita depois nos EUA, assim como ‘Sessão de Terapia’. Se quer desenvolver uma indústria e quer que ela se coloque no mapa, tem que desenvolver uma série de programas e exportar.”

A TV brasileira ainda é reconhecida no exterior apenas pelas telenovelas da Globo. Não que isso seja ruim, mas restringir a fama internacional ao gênero, nesse universo de tantos shows de TV, passou a ser sinal de atraso.

Enquanto busca nos formatos internacionais a segurança de uma ideia que já funcionou em vários países, a TV também se acomoda e inibe a aposta em criações locais.

Só na lista da Floresta, os programas produzidos aqui, formatados lá fora, incluem “Shark Tank”, “The Ultimate Fighter, “Quem Quer ser Um Milionário”, “A Fazenda”, “A Fuga” (do conturbado dominical de Datena, na Band), “You Are The One – Brasil” e o grande hit da MTV, “De Férias com o Ex”, entre outras ideias. Alguns desses títulos, como a versão local do “Who Wants to be a Millionaire”, que virou quadro do “Caldeirão do Huck”, recebe da Floresta apenas o repertório de perguntas e um apoio na seleção dos candidatos. A cenografia e realização final é toda concebida na Globo, seguindo a cartilha internacional do formato.

Os dois programas feitos para a MTV local, “You Are The One” e “De Férias com o Ex”, que já entra em sua 3ª temporada, tiveram o Brasil como primeira versão fora de seus territórios, no caso, Estados Unidos e Inglaterra, respectivamente. Nessas ocasiões, o risco a correr é maior, mas boa parte dos programas trazidos para cá já são receitas que deram certo em dezenas de outros países.

“O formato internacional dá às emissoras uma segurança porque foi feito, na maioria das vezes, em vários países. Muitas vezes, temos também um case de um só país só. É diferente da ‘Fazenda’, que foi feita em mais de 20 países. O ‘Quem quer ser um milionário’ foi o formato mais feito no mundo. O ‘Shark Tanks’, em 30 países. Quando o programa foi feito em vários países, ele tem um conteúdo universal, com recheio local, e vai funcionar aqui também. Isso dá muita segurança especialmente às TVs abertas, eles investem muito, e tem o knowhow que vem junto com o formato, normalmente vem um consultor junto e explica como tudo deve ser feito.”

Mas a produtora também tem trabalhado bastante no desenvolvimento de programas, seja no conceito de shows formatados, em teledramaturgia (séries e seriados), ou na cobiçada linha de branded content, gênero que a indústria da publicidade tem perseguido com afinco, sem saber muito bem como alcançar um resultado que se pareça mais com conteúdo do que com publicidade.

“Quando se faz um programa pela primeira vez, paga-se também o preço do pioneirismo”, completa Elisabetta.

E muitas vezes vale a pena, como é o caso do “Lady Night”, de Tatá Werneck, que ganha nova temporada no Multishow, com 26 episódios, ainda este ano. Já em fase de pré-produção, o programa começa a ser gravado em setembro. “No ano passado, fizemos os dois hits da TV paga: ‘De Férias com o Ex’ e o ‘Lady Night’, nossa criação.”

Elisabetta reconhece que o “Lady Night” não teria funcionado tão bem se a produtora não tivesse um conhecimento amplo sobre o talento da apresentadora, com quem já havia trabalhado em “Tudo Pela Audiência” e “Hermes e Renatinho”. “Sabíamos como ela funcionava e isso serviu muito para acertar no novo programa.”

Como diz Jô Soares, os talk shows espalhados pelo mundo seguem praticamente uma mesma receita, mudando, essencialmente, de acordo com quem está entrevistando e quem está sendo entrevistado. No caso de Tatá, não faria sentido exportar o conceito de late show, mas alguns de seus quadros, como “O Especialista”, podem valer a formatação de uma ideia a ser incluída no catálogo de vendas da Floresta.

A produtora também recebeu o interesse de gringos em um programa feito para Rafinha Bastos, o “Tá Rindo de Quê”, exibido pelo Multishow. Na série, o protagonista e mais dois humoristas viajavam por várias cidades do país, com a missão de garimpar, ao longo de um dia, o comportamento e um pouco da história local, para criar um repertório que pudesse render um show de stand up naquela cidade, ao fim da jornada.

“Esse formatinho, e não é um programa gigantesco, despertou interesse e estamos tentando vender lá fora. Não é grande, mas é uma ideia.”

“O ‘Lady Night’ é um programa muito feito em cima da Tatá, do humor dela, do talento dela, feito para ela, mas tem ali alguns quadros que podem ser feitos com outros humoristas, com características semelhantes, como o quadro do ‘Especialista’. Tem como embalar e tentar formatar para vender.”

Diferentemente do que muita gente acha, ela diz, pagar royalties por formatos internacionais não é algo que encareça uma produção. Elisabetta estima que esse custo represente algo em torno de 5% dos gastos totais com a realização da atração.

“Os formatos internacionais também são um facilitador para o departamento comercial de cada emissora. Quando a equipe do canal sai para vender aquele programa, ele já tem o ‘The Voice’ com sucesso comprovado lá fora. Alguns formatos internacionais já vêm até com patrocinador. O ‘Ídolos’ teve Coca-cola e Unilever como patrocinadores no mundo inteiro. Quando chega no Brasil, já chega com Coca e Unilever, já abre um caminho enorme na emissora.”

Segundo Elisabetta, há sinais de que Ancine em breve cederá verbas de incentivo para a produção de realities, vinda de Fundo Setorial do Audiovisual e outros recursos, hoje só disponíveis para formatos brasileiros.

“Mas os formatos originais são o meu grande foco agora”, reforça. “Tenho uma equipe grande de desenvolvimento de entretenimento e ficção. Esses novos players que entraram no mercado, como Amazon, Netlflix e Globo Play são novos clientes e querem ideias originais.”

Netflix e Amazon estimulam criatividade

Na contramão das TVs abertas, que procuram mais do mesmo que já deu certo, Netflix e Amazon, relata Elisabetta, “estimulam a pensar de outro jeito”. Eles nos dizem: ‘A gente não quer o que a TV aberta faz, a gente quer produtos únicos’. Eles nos estimulam a pensar fora da caixa, é o contrário do que a TV aberta faz. Eles estão dispostos a arriscar, é um outro jeito de trabalhar, isso nos estimula muito. Nós estamos pensando fora da caixa e tem uma máquina para isso. Eles nos dão um feedback, com comentários, querem que a gente entenda porque eles não gostam de uma determinada ideia, para que a gente possa usar isso como aprendizado para um próximo projeto.”

A relação de sugestões, encomendas e feed back também funciona com canais pagos. “Com o Multishow, então, eu tenho uma relação de diálogo incrível nesse sentido, a gente tem o tempo todo ideias novas, é um trabalho de parceria.” Em 2017, a Floresta assinou, para o canal da Globosat, as séries “Vai, Fernandinha”, com Fernanda Souza, “Chamado Central”, com Rafinha Bastos, “Eu, Ela e um Milhão de Seguidores”, com Rafinha e Paloma Duarte, e “Toques de Dalila”, com Heloísa Perissè.

Também já tem pronta para a nova plataforma de streaming do grupo Globo, ainda sem data anunciada para estrear, a série de suspense “Além da Ilha”, com Paulo Gustavo, em 10 episódios.

Nos últimos três anos, a Floresta realizou algo em torno de 15 a 20 programas por ano. “Preferia fazer menos e fazer programas maiores, mas um dia a gente chega lá”, aposta Elisabetta.

 

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Cristina Padiglione

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