Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Porta dos Fundos vai ao STF contra censura a filme visto até por regimes autoritários

A Netflix, maior plataforma de streaming do mundo, foi ao STF (Superior Tribunal Eleitoral) contra a decisão judicial que mandou tirar do ar o filme “A Primeira Tentação de Cristo”, produção do grupo Porta dos Fundos lançada no início de dezembro.

Inconstitucional, o ato de censura foi uma decisão do desembargador Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Na liminar, ele afirma que decidiu recorrer à cautela para “acalmar ânimos”.
Em carta enviada ao Supremo, a Netflix sustenta que a decisão desrespeita princípio já defendidos pelo tribunal ao impor “restrições inconstitucionais à liberdade de expressão, de criação e de desenvolvimento artístico”.
Abicair (que já defendeu o presidente Jair Bolsonaro da acusação de homofobia e racismo quando ele ainda era deputado, em entrevista ao programa CQC, da Band) atendeu agora a um pedido da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, que alega que o filme violou a fé, a honra e a dignidade de milhões de católicos brasileiros, ultrapassando os limites da liberdade de expressão prevista na Constituição.

Outras ações na Justiça já haviam tentado tirar o programa do ar, em vão.

O especial de Natal vem sendo desde que entrou no ar apedrejado como aquele personagem do filme “A Vida de Bryan” quando pronunciava o nome “Josué”, mas isso era naquele tempo, não no terceiro milênio dito civilizado.

Presente em mais de 190 países, a Netflix recebeu queixas em outras nações, como na Polônia, onde também há quem tente na Justiça suspender o filme, ainda sem sucesso. Países com rigor autoritário e religioso maior, como Arábia Saudita, apresentaram até aqui mais tolerância do que o Brasil, único lugar do mapa mundial a tomar tal decisão.

No especial, Jesus (Gregório Duvivier) apresenta um amigo em casa, o efeminado Orlando (Fábio Porchat), que conheceu nos 40 dias em que esteve no deserto. Orlando vai se revelar depois o verdadeiro demônio que tenta Cristo, mas não são os gays que estão reclamando do programa, e sim os cristãos, que veem no personagem de Gregório uma blasfêmia a Jesus, apesar de ele se mostrar alguém de ótimo caráter e capaz de questionar seu pai maior, Deus (Antonio Tabet), este sim, ali retratado como outro malvado sacana do enredo fictício.

A julgar pelo especial de 2018, que ganhou o Emmy Internacional (“Se Beber Não Ceie”), em que Jesus era realmente do mal, sem que aquele filme tenha causado qualquer revolta aqui ou em outros países, o grande mal do Cristo da vez é realmente não ser hétero, como aqui já foi dito.

Em texto assinado no fim do ano para o jornal O Globo, Fábio Porchat chamou ainda a atenção para o fato de o Porta dos Fundos fazer essas sátiras cristãs há anos, sem jamais ter sido importunado desta forma. Qual seria o fator novo em 2019? Quem adivinha?

A Netflix, que assinou um acordo com o grupo para produzir três especiais de fim de ano e ainda tem um filme pendente para dezembro deste ano, distribuiu um comunicado informando o seguinte: “Nós apoiamos fortemente a expressão artística e vamos lutar para defender esse importante princípio, que é o coração de grandes histórias”.

O Porta dos Fundos publicou o seguinte texto em suas redes sociais:

“O Porta dos Fundos é contra qualquer ato de censura, violência, ilegalidade, autoritarismo e tudo aquilo que não esperávamos mais ter de repudiar em pleno 2020. Nosso trabalho é fazer humor e, a partir dele, entreter e estimular reflexões.

Para quem não valoriza a liberdade de expressão ou tem apreço por valores que não acreditamos, há outras portas que não a nossa. Seguiremos publicando nossos esquetes todas as segundas, quintas e sábados em nossos canais.

Por fim, acreditamos no Poder Judiciário em manter a defesa histórica da Constituição Brasileira e seguimos com a certeza que as instituições democráticas serão preservadas.”

Na véspera de Natal, a sede da produtora Porta dos Fundos foi atacada por coquetéis molotov e o atentado, já reconhecido por Eduardo Fauzi, defensor da Frente Integralista e refugiado na Rússia. Ex-membro do PSL, que acaba de expulsá-lo da legenda, ele divulgou um vídeo em que comemora a decisão da Justiça do Rio de Janeiro de retirar do ar o “A Primeira Tentação de Cristo” da Netflix.

“O Brasil tem macho para defender a igreja de Cristo e a pátria brasileira”, disse ele, endossando que o caráter homofóbico que abala os incomodados com o filme. Fauzi, no entanto, nem pensa em voltar ao Brasil neste momento em que a polícia brasileira pede sua extradição da Rússia.

 

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