Revolta tem nome: Leandra Leal se posiciona no ar contra Bolsonaro
Muita gente tem passado pela arena do Altas Horas, o mais produtivo espaço para reflexões e debates de ideias em meio ao entretenimento da TV aberta, e se manifestado contra a gestão da pandemia, das fake news à demora na vacinação, ou contra outras pautas, como racismo, homofobia, agressões ao meio ambiente e à cultura.
Mas ninguém até agora havia apontado nominalmente o dedo para o presidente Jair Bolsonaro, como fez neste sábado (26) a atriz Leandra Leal, ao incentivar o público a pensar como o atual chefe da nação chegou ali.
“Olha o que agente está passando agora. Acho que tem uma autocrítica que toda a sociedade tem que se fazer que é: Como é que a gente deixou o Bolsonaro ser eleito presidente? Como? Ele já falava sobre preconceito, ele já destilava o seu ódio, ele já falava sobre homofobia, ele já espalhava fake news.”
Leandra continuou: “Não foi uma escolha difícil. Quem se permitiu achar que era uma escolha difícil, relativizou o preconceito, relativizou a homofobia, relativizou o racismo, tudo isso estava na fala dele. O desprezo que ele tem pelas pessoas agora, a falta de empatia, como ele imita uma pessoa faltando ar, ele já tinha isso no seu discurso, ele já tinha isso na sua prática”.
A atriz chamou a atenção para um exercício de informação e reflexão para as próximas eleições, em 2022: “A gente não pode, agora, nas eleições do ano que vem, ficar desatento a isso, achar que isso é piada. Não é piada. Preconceito não é piada. A gente está passando uma pandemia, mas tem inúmeras outras injustiças que a gente pode continuar passando no nosso país, e eu espero muito que esta seja uma lição deste momento. Todos nós precisamos votar com consciência, ouvindo, escutando o que a pessoa que está candidata àquele cargo está dizendo”, concluiu.
“Muito bem, muito bem”, reagiu Groisman.
Na contramão de personalidades que levantam outras bolas naquele cenário, mesmo sem dar nomes aos bois, Claudia Leitte deixou de se posicionar, há pouco mais de um mês, e foi severamente criticada por isso. Foi um gesto “paz&amor” que não cabia para uma circunstância em que Ana Maria Braga e Deborah Secco, presentes à mesma roda de conversa, fizeram questão de levantar sobre a crise sanitária e o atraso na vacinação.
Recentemente, Ivete Sangalo, outra artista que evitava se manifestar e tem sido muito cobrada a tanto, deixou claro que é contra Bolsonaro.
Não se trata de mera implicância nem de achar que todos os artistas são “comunistas”, como apontam os defensores cegos pela ideologia comungada pelo presidente.
Além de todas as demandas sanitárias, sociais e ambientais que cobram do público alguma reação neste momento, os artistas estão inseridos em um dos alvos preferenciais das políticas de desmanche do atual governo, sendo normalmente tratados como “mamadores das tetas” do estado, algo que não só não é verdade, como denuncia outros desajustes.
Os incentivos fiscais de que a cultura desfruta, por meio de leis de fomento, são ínfimos perto de incentivos fiscais dados fartamente a outros setores industriais que não devolvem à economia do país metade do que o nosso cinema, a nossa música e a nossa literatura entregam.
Sobre a indústria do audiovisual, foco maior deste blog, sempre é bom lembrar e informar que a maior parte das obras financiadas pela Ancine –Agência Nacional do Cinema– para cinema e TV, vem do Condecine, um fundo abastecido não por dinheiro público, como equivocadamente se diz, mas por uma taxa paga pelas empresas de telecomunicação.
Se o Condecine for extinto, não se engane: a assinatura da TV paga ou da sua banda larga não ficarão mais barato, como as passagens aéreas não ficaram a partir da cobrança de taxas de bagagem ou como os produtos não ficaram após o fim da CPMF.
Desta forma, é natural que os artistas, mesmo tendo historicamente um posicionamento à esquerda, se manifestem nominalmente neste momento, a mais de um ano das eleições presidenciais e sempre às portas de mais um motivo para o milésimo pedido de impeachment de Jair Bolsonaro.
Durante a fala de Leandra, que já circula recortada em vídeo pelo oceano do WhatsApp, os demais convidados –Negra Li, Roberta Miranda, Fernando Fernandes e William Bonner, que assistiu a tudo com atenção– abstiveram-se de aplausos, assim como a plateia virtual, mas algumas pessoas concordavam com a atriz ao balançar a cabeça para frente.
Pouco antes de Leandra, o próprio Bonner criticou “a autoridade pública” que “manda calar a boca, e recusa a responder, ou responde com impropérios e insultos”, sem citar o nome de Bolsonaro –e nem precisaria, mas sempre há aqueles que fogem da compreensão óbvia. O editor-chefe do Jornal Nacional dizia que é papel do jornalista inquirir a autoridade pública, e se o outro não quer responder, “quem não está cumprindo o seu papel é a autoridade pública”.
É claro que o ato de romper com as queixas que parecem genéricas, mesmo estando claro de quem se fala, é mais confortável a um artista do que a um jornalista. Mas, como ele mesmo disse no editorial do sábado passado, dia 19, quando ultrapassamos a marca de 500 mil mortos, e reforçou no Altas Horas, em determinados contextos, quando democracia e vida estão em jogo, só há um lado a enxergar.