Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Prêmio Multishow tem elenco, estrutura e qualidade técnica. Mas falta pulsação

Tatá Werneck, a melhor parte do Prêmio Multishow, e Luan Santana observam o beijo roubado de Anitta, que virou a imagem mais vista da 25ª edição do evento

Experimente ficar de olho no teleprompter (ou TP, texto a ser lido pelo apresentador em tela acoplada à câmera) de um script destinado a Tatá Werneck. Ao longo do Prêmio Multishow, na terça-feira, tive a oportunidade de observar o TP preparado para as mestres de cerimônia da ocasião, Tatá e Anittta. A atriz e humorista recriou à vontade as frases que lhe cabiam, acrescentou outras tantas e alcançou, por baixo,  60% de narrativa improvisada.

A parceria com a cantora, nesta edição que celebrou os 25 anos da premiação, só endossou o talento de Tatá para nos fazer rir e a alta dependência de Anitta em cenas milimetricamente ensaiadas.

Tirando um errinho de script aqui e ali, nada grave, a festa foi grandiosa, bacana, esmerada por perfeição técnica e qualidade de elenco, com ramificação eficiente em redes sociais e repercussão de seus acordes.

Mas…

Tatá Werneck, dessa vez sem Fábio Porchat, foi a melhor atração do evento, o que denota  falta de algum tempero no quesito musical, onde tudo parece mais ensaiadinho, passado, engomado e dobrado para caber nas gavetas que vão se abrindo ao longo do evento. Tampouco há comunicação entre os números, dando aí a ideia de uma colcha de retalhos.

Fora “Veveta” Ivete Sangalo, fenômeno de carisma e mobilizadora de plateias gigantescas, falta no campo da música, no palco do Prêmio Multishow de Música, a espontaneidade esbanjada por Tatá Werneck. É muito texto ensaiado para poucas manifestações espontâneas.

Tivemos coreografias de encher os olhos, com Pabllo Vittar e Iza. Acompanhamos encontros inéditos, como a banda que uniu Samuel Rosa, Paulo Miklos, Dinho Ouro Preto, João Barone, Liminha, Dimão e Marcelo Lovato, mas, de modo geral, vimos artistas pouco à vontade para se expressar para além da letra da canção.

As manifestações políticas vieram dos talentos mais novos, e não de veteranos artistas estrelados lá presentes, de quem sempre se espera mais estofo. Lembrando o assassinato de Marielle Franco, ocorrido em março, no Rio, a banda Rouge trouxe o nome da vereadora do PSOL estampado no peito – cada uma das cinco integrantes do grupo exibia na camisa o batismo de uma mulher que marcou a história do Brasil.  Russo Passapusso, vocalista da banda Baiana System, gritou “Marielle, presente!”.

Passapusso também engrossou as menções ao #EleNão, mote contrário à eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a presidência da República, mencionado ainda por Pabllo, que desembarcou no palco içado por uma corda, ostentando asas de anjo como quem desce do céu.

O público improvisou um breve coro da hashtag contra o político quando o diretor da gravadora Som Livre subiu ao palco para receber um troféu destinado a Marília Mendonça – na mesma  terça-feira em que aconteceu a cerimônia de entrega do prêmio, a cantora protagonizou uma controvérsia política nas redes sociais: após aderir à campanha #EleNão, ela revelou que foi ameaçada por seguidores do candidato e então apagou a manifestação pública, decretando “silêncio político”. “Marília tem todo o direito de se manifestar”, defendeu o diretor.

Até Luan Santana, normalmente muito discreto sobre o assunto, fez um discurso pelo respeito à liberdade e diversidade. “Quero dividir este prêmio não só com os cantores que estão concorrendo comigo na categoria, mas com todas as vozes que sempre ecoaram na história da Música Brasileira, mesmo quando as tentaram calar. Que depois de outubro a gente possa expressar toda a nossa diversidade.”

Na contramão dessas manifestações, todas breves, a apresentação do celebrado trio dos Tribalistas foi uma reprodução fiel das gravações realizadas sob a frieza dos estúdios, longe do pulsar esperado para performances ao vivo. A presença em cena do time escalado a partir de grandes bandas do rock nacional seguiu pelo mesmo caminho.

Faltou ânimo, para não dizer tesão, reforçando ainda mais o contraste com a rainha da noite, Tatá Werneck, dona de uma rapidez de raciocínio invejável. Mas como o prêmio é de música, e não de humor, item que ali deveria ser coadjuvante, há ajustes a fazer nessa engrenagem. Os elementos estão todos à mesa. Qualidade e técnica não faltam – ao contrário, quase atrapalham as necessárias explosões de improvisação e surpresa.

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Cristina Padiglione

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